A esquina de pedra

A esquina de pedra
Título: A esquina de pedra
Autor: Wallace Leal W. Rodrigues
Género: Romance
Editora: O Clarim
Observações: 10ª edição, 2018

Uma jovem procurou Wallace, jornalista, editor e colaborador em jornais espíritas, relatando-lhe um sonho recorrente já há vários anos. Nesse sonho, a jovem via sempre os mesmos cenários, a mesma cena dramática, os mesmos personagens. Noutro momento, uma segunda pessoa procurou Wallace para lhe relatar um sonho muito semelhante ao descrito pela primeira pessoa. Com estes dois relatos, Wallace começou a pesquisar sobre os eventos descritos nos sonhos e descobriu que não só esses eventos ocorreram, de facto, na História, como os personagens descritos tinham existido. E durante o período de pesquisa, uma terceira pessoa procurou o escritor para lhe contar o mesmo sonho. Três pessoas que não se conheciam entre si relatavam assim a mesma história à mesma pessoa. Foi o suficiente para Wallace encetar uma pesquisa histórica e querer dar vida àquelas personagens num romance repleto de conteúdos didáticos e históricos. Como o autor escreve numa nota a Estela, quem lhe ditou o livro, “Sebastes existiu e foi a ‘rainha do Ponto’. Arrius, Atanásio, os quarenta mártires da XII Legião existiram. O conflito no seio da igreja cristã é um facto histórico”.

Este livro conta como se deu a cisão entre o Cristianismo primitivo, dando origem ao catolicismo. É um livro que nos explica como nasce uma das religiões dominantes no mundo, tendo surgido, precisamente, com o intuito de unificar povos em torno de uma ideia cristã, mas cuja via encontrada foi a da criação de dogmas. O livro explica como foram surgindo cada um dos rituais associados à religião católica – desde as missas, os templos e seus ornamentos, a toma da hóstia, a hierarquia, entre outros – nomeadamente, como uma família de camponeses e pastores resiste a essa institucionalização e ritualização do Cristianismo primitivo. Enquanto mostra a forma como pela quantidade e pela vontade de dominar, através da força do dogma, foi mudando e moldando o entendimento original do Cristianismo, também torna evidente a singeleza e a genuinidade dos corações humildes que colocavam a fé como prioridade seguindo as pisadas de Jesus com fidelidade e em Verdade. Alegrando-se sempre com as pequenas coisas e, sobretudo, com a possibilidade de servir e de amar.

Este é um livro que continua actual, ainda que retrate episódios com vários séculos, dando-nos testemunho de como tudo começou. Ele serve-nos ainda de reflexão para os perigos de querermos ritualizar seja o que for dentro do Espiritismo. Ontem como hoje, as ameaças não vêm do exterior, mas do interior dos movimentos, tal como Kardec também alertava.

 

Citações

“O amor liberta o homem do medo – Cirilo explicou-me: – Não tens medo a Deus porque o recebeste através de Jesus que nos ensina ser Ele o Pai e nos faz perceber sua Justiça perfeita, o seu amor infinito. Quando passamos a ver em Deus nosso pai, tudo se modifica. Não é belo, isso?” (p. 227).

 

“Os cristãos não têm motivo para serem tristes. São felizes aqueles que conhecem as leis e cumprem-nas. Nunca cairão em erro. A tristeza é a escolta do erro” (p. 224).

 

“As almas iam aproximar-se de um Cristianismo exteriorizado, modificado, cómodo e acomodador e se habituariam a ele. Os cegos iam conduzir outros cegos” (p. 211)

 

“É curioso que Jesus não tenha sentido necessidade de edifícios para suas pregações – ouvi alguém dizer. Fazia-as de aldeia em aldeia, à beira dos caminhos, à borda dos lagos; a mais importante delas nas encostas de um monte. (…) As Casas do Caminho em que o socorro espiritual não afaste o socorro material. Não somos espíritos ainda, somos seres materiais com necessidades espirituais” (p. 209).

 

“(…) não te esqueças que os Evangelhos vieram para, em primeiro lugar, iluminar os sentimentos e não impor a fé cega” (p. 187).