Interacionismo Espiritual

 

“Influem os espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos? Muito mais do que imaginais.”

(O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, questão 459)

O debate sobre a integração da dimensão espiritual no tratamento médico já vem desde a antiguidade. Platão, por exemplo, no livro “A República” (cap. X) faz alusão à quarta dimensão descrevendo as sensações após o desmaio. O médico psiquiatra austríaco Viktor Frankl (1905 – 1997), fundador da escola da logoterapia (também chamada de Terceira Escola Vienense da Psiquiatria) considerou que a neurose individual em alguns casos poderia ser a expressão da recusa da espiritualidade e que, de facto, existia no ser humano um desejo e uma vontade de “sentido”. Frankl Fez estas considerações depois de ter percebido que os seus pacientes não sofriam exclusivamente de frustrações sexuais (como se defendia nas teorias de Freud), ou de complexos, tal como o de inferioridade (como argumentava Adler), mas sim de um vazio existencial. Frankl entendia que o terapeuta não podia negligenciar a espiritualidade do analisado. Estes factos explicam a opção de ter centrado a logoterapia mais no inconsciente espiritual do que nas pulsões [1] [2]. Sabe-se que não há efeito (i.e., perturbação, doença) sem causa (i.e., origem da perturbação, enfermidade), pelo que não podemos deixar de equacionar a origem do que se manifesta no ser humano ao nível da relação entre origem espiritual e efeito físico. Sobre este aspecto, a questão 459 de “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec esclarece da seguinte forma a relação entre espíritos e pessoas:
“Influem os espíritos em nossos pensamentos e em nossos actos? Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que vos dirigem”.
Esta é uma realidade que se reflete tanto no tormento, pela obsessão espiritual, como no benefício, pela inspiração, tal como é referido no item 183 de “O Livro dos Médiuns”:
“Os homens de génio em todos os géneros, artistas, sábios, literatos, são sem dúvida espíritos avançados capazes por si mesmos de compreenderem e ou conceber grandes coisas. Ora, precisamente porque são julgados capazes, que os Espíritos que querem o cumprimento de certos trabalhos, lhe surgiram as ideias necessárias, é assim que eles, as mais das vezes, são médiuns sem saberem.”
E o debate continua. À questão sobre se a influência dos espíritos na vida dos terrenos é permanente a resposta é elucidativa: “os que não se preocupam com os Espíritos, ou nem mesmo crêem na sua existência, estão expostos a ela como os outros, e até mais do que os outros, por não disporem de meios de defesa” (“O Livro dos Médiuns”, Allan Kardec, item 244). Por seu turno, “seria errado pensar que é necessário ser médium para atrair os seres do mundo invisível. Eles povoam o espaço, estão constantemente ao nosso redor, nos acompanham, vêem e observam, intrometem-se nas nossas reuniões, procuram-nos ou evitam-nos, conforme os atrairmos ou repelirmos” (idem, item 232). Por conseguinte, “toda a pessoa que recebe, seja no estado normal, seja no estado de êxtase, pelo pensamento, comunicações estranhas a suas ideias preconcebidas, pode ser incluído na categoria dos médiuns inspirados, como se vê uma variedade da mediunidade intuitiva com a diferença de que a intervenção de uma força oculta é aí muito menos sensível, por isso que, ao inspirado, ainda é mais fácil distinguir o pensamento próprio do que lhe é sugerido….” (idem, item 182). Neste sentido, é muito relevante a promoção da abordagem interdisciplinar entre ciência e espiritismo. E isso é conseguido na Psicobiofísica fundada em 1963 pelo parapsicólogo espírita Hernani Guimarães Andrade. Volvidos estes anos e os inúmeros trabalhos desenvolvidos, nomeadamente desde Kardec, compreende-se que esta abordagem é incontornável para se alcançar uma visão mais holística do conceito de saúde. A Psicobiofísica é uma disciplina científica dedicada aos fenómenos psíquicos, biológicos e físicos. Dedica-se em particular ao estudo das manifestações de carácter paranormal, ttal como as interrelações da mente com o corpo, da energia com a matéria, do espírito com o físico. A sua base de trabalho é explicada pela própria etimologia da palavra que se forma pelos radicais gregos “psyché” (mente, alma, espírito, ou seja, energia e “bios”, vida) e “psysiké” (no latim, “physica”, que se debruça sobre o estudo dos fenómenos passíveis de comprovação no campo da matéria e suas interações no Universo). Neste campo de estudos destacam-se as pesquisas sobre o Modelo Organizador Biológico (corpo espiritual), a reencarnação, os fenómenos de “poltergeist”, mas também os relativos à Mediunidade, Experiência em Leitos de Morte, Experiências de Quase-Morte, Experiência Fora do Corpo e Transcomunicação Instrumental. [3] Além da Psicobiofísica, a noética também procura analisar de forma interdisciplinar as diversas dimensões do Homem e da realidade que o envolve. A noética, do grego nous: mente, é uma disciplina que estuda os fenómenos subjetivos da consciência, da mente, do espírito e da vida, pelo ponto de vista da ciência. O seu conceito filosófico assenta na dimensão espiritual do homem. Na obra “As Dimensões Religiosa e Espiritual da Experiência Humana”, Viktor Frankl refere:
“Homem e animais são constituídos por uma dimensão biológica, uma dimensão psicológica e uma dimensão social, contudo, o homem difere deles porque faz parte de seu ser a dimensão noética. Em nenhum momento o homem deixa as demais dimensões, mas a essência de sua existência está na dimensão espiritual. Assim, a existência propriamente humana é existência espiritual. Neste sentido, a dimensão noética é considerada superior às demais, sendo também mais compreensiva porque inclui as dimensões inferiores, sem negá-las – o que garante a totalidade do homem.” [4]
Debrucemos agora a nossa atenção sobre o termo “interacionismo”, aplicado em 1969 pelo sociólogo americano Herbert Blumer [5] no artigo “A Natureza do Interacionismo Simbólico”. O autor refere que a função do homem não pode ser reduzida a uma simples reação a fatores causais, tal como se defendia na altura. Pois, primeiro, os seres humanos agem em relação ao mundo com base nos significados que este lhes oferece. Segundo, os significados são provenientes da interação social que se mantém com o mundo. Terceiro, os significados derivam do processo de interpretação. Em suma, o significado atribuído às coisas resulta da interação homem-mundo e da interpretação individual. [6] Com base nas referências dos estudos da Psicobiofísica e da noética atrevemo-nos a conjeturar que às três premissas de Blumer poder-se-ia acrescentar uma quarta, aquela que introduz a interação entre os espíritos e o mundo corpóreo. Assumimos um interacionismo espiritual que sintetiza a ideia de que a realidade terrena é uma extensão da espiritual, tal como descrito na obra de Kardec e aduzido no contexto do psíquico por Viktor Frankl. Ao assumirmos esta quarta premissa diversas abordagens de ciência ganham novo fôlego de análise, tais como as tratadas na Teoria de Comunicação. A interpretação de Van Gogh (1853 – 1890) sobre o quadro “O Filho Pródigo” de Rembrandt (1606 – 1669) revela-nos que muito há a debater sobre este tema. Van Gogh disse que “para pintar assim é preciso ter nascido e morrido muitas vezes.” De facto, aquele trabalho de Rembrandt remete para as diferentes camadas que evocam tanto a interação simbólica de Blumer, como a interação espiritual a que fazemos alusão. E se a vida do espírito contínua depois da morte do corpo, quer dizer que ele também já teve existências de vida pretéritas, logo o nosso inconsciente transporta aquela informação a que implicitamente Van Gogh se referia, e que tão bem nos é exposta a partir de episódios quotidianos pelo livro “Vidas na encruzilhada”, de Arnaldo Costeira [7].  

Referências

[1] Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Viktor_Frankl. [2] Recuperado de https://www.ted.com/talks/viktor_frankl_youth_in_search_of_meaning. [3] Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Brasileiro_de_Pesquisas_Psicobiof%C3%ADsicas. [4] JÚNIOR, Coelho, et. Al, As Dimensões Religiosa e Espiritual da Experiência Humana: distinções e interrelações na obra de Viktor Frankl.IN Revista de Psicologia, v.12 n.2, São Paulo, USP, 2001. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642001000200006&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. [5] Recuperado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Herbert_Blumer. [6] Recuperado de http://vidaeobradeluanaassis.blogspot.pt/2010/10/natureza-do-interacionismo-simbolico.html. [7] COSTEIRA; Arnaldo, Vidas na encruzilhada, Edições Hellil, 2005.
Título: Vidas na Encruzilhada