Dadores e tomadores

 

“Todos os seres humanos precisam de decidir se caminharão sob a luz do altruísmo criativo ou na escuridão do egoísmo destrutivo”

(Martin Luther King Jr., ativista americano de direitos civis e vencedor do prémio Nobel da Paz)

No livro “Dar e Receber”, Adam Grant [1], doutorado em Psicologia Organizacional pela Universidade do Michigan e professor premiado da prestigiada Wharton School, refere que na vida as pessoas habitualmente se comportam como doadores, tomadores ou compensadores.

Os doadores são aqueles que dão sem olhar ao que podem receber. São altruístas, eventualmente até indulgentes, pois não se preocupam com o retorno, seja ele material ou de promoção pessoal. São indivíduos pouco ou nada centrados em si mesmo, no seu ego, e por norma estabelecem redes de contactos com poderosos mecanismos de reciprocidade. O comportamento dos doadores motiva a retribuição e a ajuda a terceiros. Por vezes atuam em favor daqueles sem que lhes tenha sido solicitado. Os doadores preocupam-se em adicionar valor, não em permutas e compensações.

Em sentido oposto estão os tomadores. Estes são essencialmente calculistas e egoístas. As suas ações pautam-se pela lógica do que podem ter no imediato. Querem sempre ganhar vantagem na transação, interação, ou no que se estabeleça com outros. Por norma criam a sua rede de contactos com o intuito de tirar proveito dela. Querem parecer importantes e ter acesso a contactos poderosos a partir da sua rede.

Os compensadores são o intermédio entre os dois anteriores, os doadores e os tomadores. Os compensadores regulam a sua relação com os outros numa base do deve e do haver. Ao contrário do que sucede com os tomadores, estes não se preocupam com o ganho de vantagens ou como o ascendente de poder sobre outros. Os compensadores procuram manter uma relação de equilíbrio com aqueles que os rodeiam centrando-se em não perder. As suas redes de relacionamento são habitualmente extensas visando a cobrança de favores. Procuram agir com justiça e, talvez por isso, procuram punir os tomadores.

Comparando a terminologia usada por Grant com a que usamos no nosso quotidiano podemos afirmar que o comportamento doador equivale à pessoa solidária e que o de tomador equivale ao egoísta.

Alguns estudos retratados no livro de Adam Grant mostram ainda que, habitualmente as pessoas têm um comportamento na vida pessoal  diferente do praticado no ambiente laboral. Isto é mais vincado nos indivíduos compensadores, pois temem ser confundidos com fracos. Porém, tanto compensadores como tomadores apresentam comportamentos essencialmente competitivos.

A competição da vida laboral pode ser feroz e pautada por deslealdades visando-se vantagens materiais ou méritos aos olhos de superiores. Por esta razão alguns indivíduos preferem ser “menos dóceis” e atentos aos outros, pelo que se preocupam primeiro com eles próprios e somente depois com os outros. Alguns estudos mostram ainda que ao nível de carreira, os doadores têm índices de sucesso mais baixos do que os tomadores e compensadores. Por conseguinte, o comportamento doador, que é mais solidário, aparenta ser pouco prudente para quem almeja mais da sua carreira, segundo aqueles estudos citados pelo autor.

Mas, será mesmo assim?

Talvez não, pois os resultados do estudo de Grant refutam os estudos que ele cita de fontes por ele consultadas. A pesquisa de Grant mostra que, afinal, os doadores tanto ocupam os bordos mais baixos dos rankings de sucesso como os mais altos.

Como?

Ao se observar a metodologia aplicada verifica-se os resultados obtidos dependem da forma de análise dos dados tratados. Por exemplo, se a análise é feita a título individual, os doadores podem obter avaliações menos boas, mas se feita atendendo ao desempenho em grupo dá-se o inverso.

Quando a análise é feita a título individual e dada a apetência dos doadores para servir os outros, não se estima o esforço em favor de terceiros, o qual tem retornos positivos que podem alterar os resultados finais. O esforço solidário dos doadores desvia-os de um desempenho individual mais cuidado, pelo que os seus rácios a esse nível são mais baixos (metodologia aplicada ao longo dos anos pelos investigadores citados por Grant). Todavia, se a avaliação refletir o comportamento do grupo onde se inserem os doadores, estes sobressaem tornando-se facilmente os líderes, pois o seu esforço é fortemente reconhecido pelos seus pares – esta foi a inovação introduzida pela análise de Grant, a qual alterou por completo a perspetiva que se tinha sobre a relação doadores – carreira.

Por sua vez, os tomadores e compensadores, mais centrados neles próprios e no que podem ganhar, ou não perder, focam-se nas suas tarefas individuais, pelo que não entregam grande tempo aos outros. Por isso garantem desempenhos iniciais e individuais mais fortes, mas depois são alvo de maior competição, logo menos reconhecidos pelos seus pares. Inclusive, estes são alvo de inveja e de desforra, em particular os tomadores por parte dos compensadores, dada a forma como os segundos se sentem defraudados pelos primeiros.

O indivíduo doador está mais conotado com o sucesso, por que há uma rede de reconhecimento e retribuição em seu favor. É uma rede que sabe que não recebeu para que um dia lhe fosse cobrado. Por essa razão, não é uma rede conotada pela fraqueza do “bonzinho”, mas sim pela inteligência distribuída que em favor dele pode atuar. As pessoas ao se sentirem gratas  procuram devolver pelo mesmo impulso de generosidade que as beneficiou. E ainda que o doador tenha de ter redobrados cuidados com o seu comportamento em certos ambientes, tal como o laboral, o balanço é nitidamente a seu favor, pois o comportamento do doador é o mais respeitado e reconhecido por todos, tal como identificado no estudo de Adam Grant.

Estes estudos, que ilustram a força da solidariedade, são afinal mais uma das inúmeras comprovações sobre a assertividade dos ensinamentos de Jesus. “Fora da caridade não há salvação”, pois a caridade encerra o princípio do amor ao próximo, que é a base do processo evolutivo humano.

Para os indivíduos que creem que depois da morte nada mais existe, apenas lhes faz sentido os gozos do imediato. No livro O Céu e o Inferno [2], Kardec refere sobre estes que a preocupação exclusiva no presente é “o mais poderoso estímulo ao egoísmo, e o incrédulo é consequente quando chega à seguinte conclusão: Gozemos enquanto aqui estamos; gozemos o mais possível, pois que connosco tudo se acaba; gozemos depressa, porque não sabemos quanto tempo existiremos.” (parte 1, cap. I, pág. 12). Kardec refere ainda que o Espiritismo permitiu estabelecer relações regulares com o mundo invisível e assim ensinar os indivíduos sobre os “serviços que por meio dessas relações podem prestar aos seus irmãos desencarnados. Deus patenteia por esse modo a solidariedade existente entre todos os seres do Universo, ao mesmo tempo que dá a lei da natureza por base ao princípio da fraternidade.” (cap. VI, pág. 416).

A solidariedade que se pode exercer entre indivíduos no plano das interações sociais, também se estende com ligações ao plano espiritual. Todos temos no nosso campo espiritual espíritos amigos e bem-feitores. Em resultado disto há toda uma rede de interação social e espiritual que transporta recomendações e guarda memórias de ações pretéritas. Por essa razão, o nosso futuro está muitas vezes no nosso passado. O doador beneficia desse sentido de futuro pela ação da lei de causa e efeito. Ele tem a seu favor toda uma matriz de retorno que se estende da Terra ao plano invisível, e a ele retorna, num grau crescendo de retribuições (boas ou más) que não conseguimos estimar, mas que deveremos considerar.

Sobre o contexto destas redes de articulação entre os planos terrenos e espiritual, nomeadamente no campo da medicina é relevante ouvir a palestra do Dr. Paulo César Fructuoso, “Câncer Aspectos Históricos, Científicos e Espiritualistas” (a partir dos 10’:20’’) [3].

 

Referências

[1] GRANT, Adam, Dar e Receber. Ed. Vogais, 2014.

[2] KARDEC, Allan, O Céu e o Inferno, Hellil, 2020.

Título: O Céu e o Inferno

[3] Palestra pública de Paulo César Fructuoso, “Câncer Aspectos Históricos, Científicos e Espiritualistas”, via Internet organizada pela ASCEV, 13 dezembro 2020: https://www.youtube.com/watch?v=fJrPVbFFjUs&t=614s.