Todos podemos ser médiuns

 

“O próximo grande avanço na medicina será compreender que a vida espiritual está ligada com a física e, se combinarmos ambas, descobrimos a cura maior de todas, que é a metafísica.”

(Neale Donald Walsch)

O debate sobre as diferentes dimensões da vida e dos seus corolários não materialistas têm vindo a ser feitos desde o tempo dos antigos filósofos, como Sócrates e Platão, que terão sido os percursores da ideia Cristã e do Espiritismo.

Reflitamos, por exemplo, nas ideias de Sócrates sobre a harmonia em sociedade e o “conhece-te a ti mesmo”, mas também nas de Platão sobre a vida para lá da vida, ou nas suas considerações sobre o corpo que aprisiona a alma até ao dia em que esta se liberta e passa para o mundo onde perdura o bem. Recordemos ainda as palavras de Aristóteles sobre a alma e a racionalidade que distinguem o ser humano de outros seres. Raciocinemos sobre os ensinamentos do Cristo que nos fala da vida do Espírito para lá da vida terrena. Lembremos Sto. Agostinho sobre o livre-arbítrio, a argumentação de Max Weber sobre as responsabilidades de cada um e do exercício da vontade. Ponderemos, em particular, sobre o conhecimento trazido pelos Espíritos através da obra de Allan Kardec, ou seja, o cristianismo redivivo que vem cientificar os ensinamentos do Cristo. O Espiritismo esclarece sobre a natureza, origem e destino dos Espíritos que se comunicam com os terrenos por efeito da mediunidade. Então, o quem é o médium?

Segundo Kardec, o médium é a “pessoa que pode servir de intermediário entre os Espíritos e os homens.” (O Livro dos Médiuns, cap. 13) [1]. “Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem; não constitui, portanto, um privilégio exclusivo. Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos.” (idem, cap. 14, item 159).

São inúmeras as referências sobre a mediunidade. A título de exemplo assinalemos os trabalhos de psicografia de Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier), de Divaldo Pereira Franco, de Yvonne do Amaral Pereira, ou mesmo do português Fernando Lacerda. No domínio da ciência é de salientar os trabalhos de Léon Denis que analisou fundamente este fenómeno, nomeadamente pela publicação de obras suas, tal como, “No Invisível” [2], em que documenta uma miríade de trabalhos científicos que se debruçaram sobre a prova da comunicabilidade dos espíritos, e em que muitos destes trabalhos seriam publicados em proceedings de revistas de ciência renomadas.

Mais contemporaneamente e também citando apenas alguns, de referir os estudos experimentais do engenheiro Hernâni Guimarães Andrade (fundador do Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas [3]), dos médicos Sérgio Felipe de Oliveira (fundador da Uniespírito) e Sérgio Thiessen, mas também do físico Moacir Lima [4], ou mesmo do testemunho e ensinamentos de Célia Diniz [5]. Sim, o trabalho do Alto para nos ajudar a «ver» é contínuo e manifesta-se em contribuições de toda a ordem, naturalmente, também para lá do universo das observações Espíritas, tal como, supomos, sucede nos exemplos Neale Donald Walsch, Luís Portela, ou James R. Doty.

Neale Donald Walsch, norte-americano e autor de 29 livros traduzidos em 37 línguas, refere [6] sobre o seu processo autoral o seguinte: “Eu não canalizo Deus! Prefiro chamar-lhe escrita inspirada. Limitei-me a reproduzir perguntas e respostas e a voz que ouvia dentro de mim.”

O processo a que o autor parece referir-se poderá ser fruto da sua própria mediunidade (sensibilidade). Isto mesmo é vivenciado por inúmeros indivíduos que trabalham no bem da ciência e das artes. Contudo, a sociedade em geral e a comunidade científica em particular continua a desconhecer ou a negar a nossa natural e contínua ligação com o mundo dos Espíritos, que nos inspiram e ajudam ao progresso humano.

Fernando Pessoa é um destes exemplos, que tal como tantos outros escondeu a sua mediunidade atrás do preconceito, ao não assumir a coautoria de muitos dos seus escritos pela via da psicografia. Porém, no recato da sua intimidade, Pessoa reconhecia o que vivia e discutia-a com a sua tia Anica, tal como se comprova nas cartas que lhe dirigia sobre este assunto (a), mas também com Fernando Lacerda (b).

Nunca houve esquizofrenia, nem há heterónimos na escrita de Pessoa, mas sim escrita direta com a intermediação dos Espíritos, aqueles cujos nomes atribuíram aos heterónimos. O mesmo sucede com os médiuns que, pela faculdade da psicografia, têm a possibilidade de redigir obras com o auxílio direto de Espíritos de elevada envergadura moral e intelectual. Por este processo os Espíritos revelam-nos, nomeadamente acontecimentos do passado, ensinamentos morais, literatura, poesia e abordagens de ciência. São exemplo disto as obras de Francisco Cândido Xavier, ou Divaldo Pereira Franco, entre tantos outros. E o que é a psicografia?

Dito de maneira simples, é a forma «mecânica» usada pelos espíritos para se comunicarem pela escrita. Fazem-no por intermédio de um médium que, a comando do espírito, lhe influencia as ideias e a ação de escrita. E tal como Pessoa, muitos outros indivíduos das artes e do pensamento reconhecem essa ação benévola e inspiradora sobre eles.

Walsch também diz que amar se reflecte no dizer: “Quero para ti o que queres para ti, sem te barrar o caminho ou dizer-te o que não podes fazer.”

Uma mensagem de todo semelhante à de Jesus, ainda que por outras palavras. Não sendo nova, importa que passe a muitos outros e alcance o nosso âmago. Afinal, todos podemos ser médiuns da mensagem do Cristo e isso pode acontecer no diálogo do quotidiano, mas também no trabalho da ciência, nomeadamente pela abordagem interdisciplinar. Neste âmbito, Walsch refere que: “o próximo grande avanço na medicina será compreender que a vida espiritual está ligada com a física e, se combinarmos ambas, descobrimos a cura maior de todas, que é a metafísica.”

Uma ideia semelhante é defendida por Luís Portela – chairman da farmacêutica Bial e presidente do Health Cluster Portugal (à data de 2018). Portela afirma o desejo de que no século XXI a Ciência contribua para o esclarecimento espiritual da Humanidade, tal como no século XX contribuiu para o esclarecimento material [7]. Tudo isto vai sendo esclarecido pelo Espiritismo, nomeadamente pelo uso da mediunidade e do magnetismo humano (c), mas também pela ótica da ciência tal como se depreende dos trabalhos de Walsch, do neurocirurgião norte-americano James R. Doty, do Dr. Sérgio Felipe de Oliveira sobre a glândula Pineal (d), entre tantos outros.

Doty refere que a compaixão entre as pessoas tem repercussões no seu estado de saúde [8]. Ao nível da fisiologia traduz-se em ganhos, com implicações desde a diminuição das proteínas inflamatórias no sangue até ao fortalecimento do sistema nervoso. Contribui ainda para baixar os níveis de ansiedade, acelerar processos de cura e diminuir o tempo de internamento. Ao nível da justiça permite reduzir a violência e as recaídas em pessoas que cumpriram pena.

Estes são apenas alguns dos exemplos apresentados nos estudos de Doty, cujo respaldo está no efeito da caridade praticada com indulgência, tal como ensinado pelo Cristo. Para que o efeito seja positivo no lado do emissor, a caridade tem de ser sentida intimamente por este. Ação sem coração não basta. O sentimento sincero, preocupado e amoroso pelo semelhante tem resultados muito positivos no lado do recetor, mas também no do emissor, como se observa pelo efeito da compaixão.

Em oposição a estas ideias encontramos a interpretação da revista Psychology Today, que no âmbito do estudo da compaixão afirma que esta pode ser entendida como um altruísmo de sobrevivência na sociedade contemporânea afirmando: “À medida que as sociedades se tornaram maiores e mais complexas, a interdependência dos seus membros também cresceu. Ou seja, o altruísmo não é o que nos leva a cooperar. Temos de cooperar de forma a podermos sobreviver.” (Psychology Today).

Julgamos que esta é uma interpretação reveladora do cartesianismo de alguns indivíduos da ciência. Misturam propósito com competição. O propósito é o do Self (o “Eu Maior”), que é orientado à ligação aos outros pela empatia, compaixão. A competição é primitiva e está relacionada com o competir para sobreviver, hoje muito explicitado no eufemismo do “capital social” e dos seus benefícios, a partir dos quais pelas nossas redes sociais e de contactos alcançamos mais recursos materiais e intangíveis e onde pulula a ideia de que ter um comportamento de “dador” é equivalente a ser-se “bonzinho”, quando afinal se prova que é ser-se líder (e).

De facto, e contrariamente ao interpretado pelo editor da Psychology Todayque publicou o texto na revista, cremos que essa cooperação não sucede apenas porque todas as pessoas são interesseiras, mas sim porque as pessoas estão conscientemente interessadas em fazê-lo pelo bem de outro, porque perseguem um propósito. Cooperar será cada vez mais natural e perceptível na medida que nos compreendemos melhor enquanto seres espirituais. E isto na medida que vamos alinhando o nosso Self (alma) com o nosso ego, fazendo o primeiro mais preponderante em nós e o ego egoísta e orgulhoso mais ténue. Até lá muitos continuam mergulhados no hoje e no imediato, na satisfação das necessidades egóticas.

Estamos cercados pelo mal, mas cada vez mais a fazer o bem, pelo que se o sentirmos e dissermos, se o repetirmos e assimilarmos geramos um efeito benéfico em nós e nos que connosco estão. Cabe-nos repetir o bem, inspirando-o a outros, e não o mal, atormentando e gerando o medo e a angústia. A este propósito veja-se a título de exemplo o que se apresenta em: [9] e [10]).

É importante notar que na sua época Jesus terá encontrado o ser humano na sua infância espiritual, hoje, apesar dos mais de dois mil anos volvidos, não estamos muito para lá do que possa ser a adolescência. Evoluímos muito a nível intelectual, tal como se verifica pelos parâmetros de conforto, segurança, mobilidade e educação, mas não tanto e em igual medida a nível ético-moral (f).

Ainda nos é difícil praticar o bem pelo bem e renunciar ao egoísmo, aos desejos do agora e do mundismo. É-nos difícil trabalhar o hoje com uma perspetiva do provir.

Há muitas formas de vivermos os nossos dias, mas apenas uma para evoluirmos para lá da dimensão intelectual. E ela concretiza-se pela compreensão da nossa realidade espiritual e prática da caridade, da solidariedade, do bem. É através dos ensinamentos do Cristo e do auxílio dos instrumentos de saber disponibilizados pelo Espiritismo que podemos fazer mais e melhor. Fazer ciência, praticar a religião (religação a Deus) de forma mais raciocinada e sentida, gerir saúde e bem-estar de forma mais informada sobre causas e efeitos derivados do nosso comportamento, viver um quotidiano mais amigável.

Todos podemos ser médiuns, meios sensíveis, entre o bem e a sua prática. Todos podemos ser o meio de concretização da vontade de Deus, que é em favor de tudo e de todos:

“Disseram que não vencerás em teus empreendimentos… Tudo isso disseram… Entretanto, contínua agindo e servindo, orando e esperando, porque as opiniões de Deus são diferentes.”(pelo Espírito Emmanuel).

Referências

[1] KARDEC, Allan, O Livro dos Médiuns. FEB.

[2] DENIS, L. (2011), No Invisível, 2ª Ed, FEB, do original de 1911.

Título: No Invisível

[3] Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Hernani_Guimar%C3%A3es_Andrade.

[4] Palestra Pública, recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=Dx28zbrFpy4&feature=share.

[5] Palestra Pública, recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=xApZvLHUNUU&feature=youtu.be.

[6] Entrevista publicada na revista Visão de 15 de junho de 2017.

[7] Entrevista à revista Visão de 30 de março de 2017.

[8] Entrevista publicada pela revista Visão de 18 de maio de 2017.

[9] Programa GPS, da CNN, retransmitido pela RTP3. Ver a partir do minuto 31: https://www.rtp.pt/play/p2064/e326875/gps.

[10] Sobre como as cidades, Viena, na Áustria, está a pensar no bem estar humano por via da colaboração: https://hub.beesmart.city/city-portraits/smart-city-portrait-vienna?utm_campaign=%23cityportraits&utm_content=66563148&utm_medium=social&utm_source=linkedin. (a) https://www.invisibillis.com/genialidade-intuicao-ou-inspiracao/ (b) https://www.invisibillis.com/saber-sorrir/ (c) https://www.invisibillis.com/mediunidade-mediunismo-ou-animismo/ (d) https://www.invisibillis.com/pineal/ (e) https://www.invisibillis.com/dadores-e-tomadores/ (f) https://www.invisibillis.com/nascer-nao-e-uma-estreia-e-voltar/