Do inconsciente ao consciente moral e intelectual

 

Quem foram Sigmund Freud, Gustav Jung, Max Weber e Nietzsche no contexto do conhecimento Espírita?

Sigmund Freud (1856 – 1939), neurologista austríaco, considerado o pai da psicanálise, fez uso da hipnose para aceder aos conteúdos mentais dos seus pacientes como forma de lhes tratar os problemas de histeria. A partir da observação dos resultados elaborou a hipótese de que a causa da histeria era psicológica e não orgânica. Uma hipótese que serviu de base para a elaboração do conceito sobre o inconsciente. E este terá sido um dos seus principais contributos para o pensamento moderno.

Ainda que contestado por alguns dos seus pares, Freud argumenta que a mente está dividida em camadas e é “dominada em certa medida por vontades primitivas que estão escondidas sob a consciência e que se manifestam nos lapsos e nos sonhos” (citado da Wikipédia). Desta forma, Freud, introduz no status científico o conceito do inconsciente, ou seja, a noção de causa não orgânica como origem de uma doença, neste caso mental. Na perspetiva espírita, que procura compreender a transformação moral e o desenvolvimento humano, um dos grandes contributos de Freud é o reconhecimento que não existe possibilidade de anular um sentimento ou esquecê-lo na ilusão que tudo está bem [1, p. 93].

Carl Gustav Jung (1875 – 1971), psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica, estabeleceu uma intensa colaboração com Freud por um período de sete anos. Posteriormente, e por divergências de pensamento entre os dois seriam criadas duas vertentes distintas para explicar o indivíduo e a sua relação com o seu consciente e inconsciente.

Jung discordava da ideia de que as causas dos conflitos psíquicos são sempre resultado de traumas de natureza sexual, tal como defendia Freud. Freud não compreendia o interesse de Jung pelos fenómenos espirituais enquanto fontes válidas de estudo em si. Porém, ambos contribuíram de forma notável para a explicação do indivíduo como ser físico e psicológico.

Gustav Jung acabaria por estender esse entendimento à dimensão do inconsciente coletivo associando a ideia do indivíduo a um todo e a símbolos compostos por sentimentos profundos de apelo universal, designados por arquétipos. Com esta abordagem, Jung estabelece uma ponte com a conceção de «espírito reencarnado». Espírito que na sua essência não tem género definido. Este, quando vestido num corpo (espírito reencarnado), ganha a polaridade sexual de homem ou mulher. Um facto que diz muito sobre a assertividade das ideias de Freud a respeito da sexualidade enquanto diapasão definidor do comportamento do indivíduo, e que ilustra uma das bases da discordância entre os dois. Jung já tinha em si um entendimento não unicamente orgânico do ser humano.

Max Weber, nascido na Alemanha em 1864, foi um intelectual, jurista, economista e considerado um dos fundadores da Sociologia. Na conceção de Weber o indivíduo é responsável pelas decisões que toma, inclusive pela própria omissão, que de uma forma ou de outra legitima o poder. É o que Weber denomina de “ação social”, que consiste na conduta humana dotada de sentido. É o comportamento consentido e planeado.

Para este pensador, a chave para a “ação social” é o que se faz tendo os outros em mente. É ação intencional na qual os indivíduos atuam tendo os outros em linha de conta, com o objetivo de os influenciar, ou de com eles se comunicar, seja para os elogiar, criticar, enganar, ou mesmo para lhes estimular emoções, como rir ou chorar, ou todas as diversas coisas que as pessoas fazem umas às outras. Weber caracterizava desta forma a atuação e raciocínio das pessoas relativamente a outras, sintetizando as responsabilidades de cada um sobre os seus atos e perante outros, ou seja, em sociedade. Em suma, Weber, mesmo sem saber, intuía sobre os conceitos Espíritas de livre arbítrio.

Weber disse ainda que é estreita a margem que separa a liberdade e a individualidade de cada um, pois, embora devamos agir assumindo as nossas responsabilidades, vastas vezes somos egoístas ao ponto de usurparmos o bem-estar do outro para que o nosso prevaleça. Um comportamento que deriva de uma preparação ganha na própria educação (escola, família, ambiente social) e moldada em cada sociedade no contexto do seu tempo. Uma “moldura” que nos ensina a seguir regras de conduta, mas também a cumprir expetativas pessoais, familiares e sociais. A partir dessa “moldura” ganhamos consciência sobre como nos comportar, porém, a pressão para a satisfação das expetativas leva-nos, por vezes, ao desvio da boa conduta, mais moral e ligada ao todo e aos outros que nos rodeiam, para uma mais centrada em nós, ou seja, mais egoísta. É o equívoco do ego.

O ego, que mantém centrados no processo de busca de prazer, de posse material, ascensão social ou religiosa, de destaque, de compensação, aplauso, não produzem satisfação. É com dificuldade que percebemos que os prazeres egoicos não nos conduzem à harmonia que desejamos no nosso íntimo. E é nesta a luta entre o bem-estar material e a felicidade, enquanto postura existencial, que vamos vivendo enleados na ignorância. Embora o ego seja o centro da consciência, ele apenas é a parte (a ponta de um iceberg) de um todo que é a inconsciência (o iceberg).

Na inconsciência temos gravado o acumulado das nossas experiências e saberes (das vidas sucessivas), bem como as referidas cicatrizes morais. A reencarnação permite resolver aquelas cicatrizes pela evolução moral e do conhecimento. Neste contexto, a dor é uma das formas de aprendizagem (e expiação) que inculca na alma a informação que corrige a rota moral do indivíduo. Ele aprende a reconhecê-la e a não mais proporcioná-la a outros. É por isto uma oportunidade, não um castigo. A expiação vivida surge assim como o exercício de vida que a pessoa precisa para que tenha acesso a esse degrau evolutivo.

Mas a aprendizagem é lenta, pois o equívoco do ego mantém o indivíduo no egoísmo, pelo que vastas vezes cede à pressão das expetativas materiais que o rodeiam. Weber, Jung e tantos outros procuraram verter para a cátedra académica, na linguagem da ciência, algum do saber que já tinha sido destilado nos ensinamentos do Cristo – desdobrados e cientificados na codificação Espírita. Contudo, volvidos mais de 20 séculos, a Universidade continua empedernida no materialismo e o ser humano no egoísmo.

Outro grande pensador foi o poeta e filósofo alemão Friedrich Nietzsche, contemporâneo de Max Weber, que disse: “há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura”. Na verdade, há diversas definições de amor. Os seus múltiplos significados na língua portuguesa são habitualmente caracterizados pelos conceitos da “afeição, compaixão, misericórdia, ou ainda, inclinação, atração, apetite, paixão, querer bem, satisfação, conquista, desejo, líbido, etc.”. O conceito mais popular refere-se, de modo geral, “à formação de um vínculo emocional com alguém, ou com algum objeto que seja capaz de receber este comportamento amoroso e alimentar as estimulações sensoriais e psicológicas necessárias para a sua manutenção e motivação” (citado de wikiquote). Note-se, contudo, que em nenhum destes conceitos o amor é definido como sendo o sentido da vida, tal como explicado por Jesus, ou ainda, como expressão inteligente sobre como viver e compreender a vida em sociedade.

Sobre o amor, o apóstolo Paulo (Bíblia, Coríntios 13) disse:

ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, se não tivesse amor, seria como o metal que ressoa ou como o címbalo que retine“.

O amor é lato e também é a expressão sensível sobre como interagimos com aqueles que nos rodeiam. É loucura, porque pela porta do amor romântico alguns experimentam as tensões associadas às suas debilidades humanas, tal como a insegurança, o ciúme, o egoísmo, ou mesmo o sentido de propriedade, que por vezes se nutre em relação ao outro. Mas também é a atração, a empatia, a ligação espiritual forte que liga dois seres, eventualmente como resultado de convívio em vidas passadas, ou afinidades magnéticas e morais atuais.

O amor é eminentemente uma dinâmica sensitiva de vínculo emocional, racional e espiritual. É o resultado da forma inteligente como compreendemos a vida e o outro. Mas isto Nietzsche não disse, nem poderia, dada a sua visão eminentemente anticristã, embora tenha referido que “a moralidade é a melhor de todas as regras para orientar a humanidade”.

Alguns acham que o conceito de moralidade é vocabulário religioso esquecendo-se que é transversal à forma como nos responsabilizamos sobre nós e para com os outros, para com a vida. Tal como disse Weber, “o indivíduo é responsável pelas decisões que toma, inclusive pela própria omissão”. De facto, os ensinamentos sobre a responsabilidade de cada um, face aos seus atos, encontra-se refletida em vasta literatura, bem como na educação familiar. E se a isto acrescentarmos o conhecimento Espírita sobre a reencarnação e a influência dos espíritos sobre a vida terrena, então as responsabilidades mencionadas crescem exponencialmente. A partir da perspetiva reencarnatória, a matriz moral do indivíduo molda a sua personalidade e inteligência, mas também o roteiro de provas a serem vividas.

Neste contexto considerámos relevante citar Nietzsche pelo facto de ter sido um ateu e de ter considerado o Cristianismo e o Budismo como “as duas religiões da decadência” (citado da Wikipedia). Este pensador considerava que a sociedade vivia por detrás de “máscaras” religiosas, políticas e outras, em que as pessoas se escondiam e a sociedade se organizava. Sobre o conceito de religiosidade citado por Nietzsche, talvez confundisse o Deus feito pelos Homens, com o Deus que fez os Homens.  E ao contrário de outros pensadores, tal como Kant, e também por consequência do seu ateísmo, Nietzsche considerava que o mundo não tinha ordem, estrutura, forma e inteligência. Pese embora a sua abrangência de pensamento, a matriz intelectual de Nietzsche organizava toda a realidade a partir da individualidade e finitude do indivíduo, considerando o igualitarismo um erro.

Para Nietzsche, as máscaras que conformam a sociedade são igualmente a forma de manter a sociedade em evolução. Entendia assim que a base racional da moral era uma ilusão, pelo que descartava a noção de homem racional. Para este pensador, o mundo não era “ordem e racionalidade”, mas o oposto, era desordem e irracionalidade. O seu princípio filosófico não era Deus e razão, mas sim o da vida que atua sem objetivo definido, ao acaso, e por isso, vai-se dissolvendo e transformando num constante devir. Para Nietzsche, a única e verdadeira realidade sem máscaras é a vida humana tomada e corroborada pela vivência do instante (citado da Wikipédia). É, afinal, a vida liderada pelos prazeres egóicos.

Nietzsche mostra-nos que a inteligência e a capacidade argumentativa aliada a uma ausência total de fé, raciocinada, é um poderoso veículo para conduzir outros a uma conceção da realidade totalmente vazia do que lhe dá sentido: o amor. Daí a “loucura” que Nietzsche comenta sobre o amor, esquecendo que a sua dimensão vai para lá do entendimento mundano.

O seu pensamento alerta-nos assim para a necessidade de nos compreendermos como um todo e não apenas como uma parte (o ego). Somos mais do que necessidades imediatas, de instante, pois há uma harmonia no sentido da vida. Porém, tal como Nietzsche, ainda vivemos mergulhados na ignorância sobre o “eu” e sobre quem somos. Um “eu” que inclui o ser inconsciente, inicialmente elaborado por Freud, mas cuja teoria não conseguia resolver o conflito (freudiano) que punha o sujeito do desejo em oposição ao ser social. Jung é o primeiro a organizar este saber introduzindo as noções de Self (que pode ser entendido como alma), o arquétipo da ordem, da organização e da unificação. É o “Deus-Homem interior”.

Com a abordagem Espírita, nomeadamente a partir da proposta de Psicologia Espírita, pelo Espírito Joanna de Ângelis [1], é possível resolver o conflito freudiano, responder a Nietzsche e usar as colocações de Jung para entender a dimensão dos ensinamentos de Jesus sobre o amor. Sobretudo, podemos compreender a Psique como dois centros, o ego, centro da consciência, e o Self, centro da totalidade [1].

Ao nos esforçarmos pelo desenvolvimento moral autorizamos o desenvolvimento do Self e equilibramos a busca do prazer pelo ego, que não se pretende anular, mas potencializar com a vida moral. Ao contrário do que era afirmado por Nietzsche, a vida tem um sentido e, por este, advêm as responsabilidades sobre a forma como as ações de hoje se repercutem em consequências no advir, mas não por determinismo, pois usufruímos do livre arbítrio, a que Weber implicitamente se referia.

Cabe a cada um fazer a construção do seu advir sarando com boas obras as feridas inculcadas no inconsciente. E porque o nosso pensamento está sujeito a sugestões de influência social e espiritual devemos vigiá-lo e orar, para que nos mantenhamos na sintonia de quem nos inspira. Aprender a fazê-lo é dar primazia ao Self, o Eu superior – a parte divina do ser, equilibrando a vivência do ego em nós.

Referências

[1] FRANCO, Divaldo, pelo Espírito Joanna de Ângelis, Refletindo a Alma: A Psicologia Espírita de Joanna de Ângelis, LEAL, 4ª edição, 2016.

Título: Refletindo a Alma, a Psicologia de Joanna de Ângelis