Saber sorrir

 

Tu que não sabes rir, sorri-te.

O sorriso é a flor dos tristes, é o consolo dos bons.

Os que riem não sabem fazer nada, os que sorriem conseguem tudo.”

Eça de Queirós, 16 de Dezembro de 1906, psicografado por Fernando de Lacerda [5]

 

Fernando de Lacerda (1865 – 1918), conhecido espírita português e nascido em Loures, viveu a missão de dar provas sobre a imortalidade da alma. Foram inúmeros os espíritos que se comunicaram por Lacerda, entre estes destacam-se os nomes de Heliodoro Salgado, Eça de Queiroz, João de Deus, Júlio Diniz, Napoleão, Augusto de Castilho, Victor Hugo, Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco. Comunicações comentadas pelos jornais da época, tal como é notado na edição de 23-11-1906 do “Jornal da Noite” [1].

Após dois anos de trabalho na compilação de textos e mensagens recebidas pelos espíritos que por ele se faziam comunicar, Lacerda publica em 1908 o seu primeiro livro. Obra bem-recebida e elogiosamente comentada por diversas personalidades, entre as quais Teófilo Braga – poeta, político e ensaísta, e segundo Presidente da República de Portugal, ainda que por um curto espaço de tempo (29-05 a 5-10 de 1915) [2].

Lacerda trabalhou na Polícia Administrativa do Governo Civil de Lisboa e alcançou o posto de subinspector. Viveu o período conturbado em que a monarquia deu lugar à primeira República (5 de Outubro de 1910) e em que a sociedade começou a seguir as crenças materialistas e ateístas pregadas pelos republicanos de então. Espírita e construtor de ideais contrárias ao materialismo, vê-se na contingência de emigrar para o Brasil, onde reativa a sua missão de divulgação e prova sobre a imortalidade da alma.

Reedita alguns dos trabalhos publicados em Portugal tendo grande impacto na sociedade brasileira. Neste particular é de destacar a edição das mensagens de Antero de Quental e de Camilo Castelo Branco sobre a problemática do suicídio no jornal “Imparcial” do Rio de Janeiro, a 7 de Março de 1912. Publicação que permitirá nos meses subsequentes o amparo de inúmeras pessoas e de espíritos.

A lei de afinidade, que proporciona a ligação pelo pensamento entre os leitores (daqueles conteúdos) e os espíritos, permite que a mensagem impressa naqueles conteúdos migre de uns para outros. Um facto que possibilitou o esclarecimento e despertar sobre a continuidade da vida para muitos espíritos ligados por aquela sintonia. A verdade que falta a muitos espíritos de suicidas é essa mesma: a vida continua, pelo que o sofrimento do qual tentavam escapar mantém-se, mas agora sentido de forma ainda mais severa do outro lado da vida [1].

De salientar, ainda, a obra de “Eça de Queirós Póstumo”, que inclui o texto “Aprendendo a Conhecer” [3], no qual Eça faz referência à diferença entre o sorriso e o riso. Diz assim espírito do escritor português:

… o riso é uma manifestação negativa, e o sorriso é uma indicação de superioridade. O que sorri tem a consciência de si; o que se ri desconhece a sua própria inconsciência.”

O sorriso de Lacerda era um dos seus mais notórios atributos, tal como se descreve na edição de 15/02/1890 do “Jornal do Bombeiro” (jornal da corporação dos Bombeiros Voluntários de Loures) [4]:

Presença agradável, voz calorosa e insinuante, extremamente simpático, dotado de uma atividade constante, com ar galhofeiro e um eterno sorriso, cativa logo quem com ele trata porque se vê naqueles olhos traquinas um fundo de alma cheio de bondade e de amor (…)” [1].

O sorriso é um instrumento de amor, mas que muitos desconhecem ou negligenciam, pelo que podemos questionar sobre quantos de nós sabem sorrir? Esta é a questão que nos deveria fazer pensar sobre o nosso comportamento.

Saberemos nós sorrir a quem desconhecemos?

Sorrir a estranhos é estranho, pois, por norma não se entrega um sorriso, ou se dá a salva a desconhecidos. É assim em algumas culturas e entre muitos de nós. Porém, no nosso local de trabalho, porventura, também não sorrimos muito – pode dar ideia de que estamos a levar a coisa pouco a sério. Mas frente a um cliente sorrimos, se tal estiver no manual de boas práticas. Todavia, este não é o sorriso que retrata a alma, nem o que caraterizava a personalidade de Lacerda.

Isto conduz-nos à questão sobre se a amabilidade faz parte do nosso quotidiano?

O sorriso traz consigo a exteriorização do bem-estar e da disponibilidade para acolher o outro e o seu próprio sorriso. O sorriso é uma manifestação amável de uma alma para com outra, pelo que a reflexão de Eça sobre o sorriso é profunda, um facto que nos deviria fazer pensar sobre se saberemos sorrir.

O riso, por seu turno, tanto pode ser visto como o despregar do sorriso, ou como descuido de alguém para com outro, nomeadamente se nos rirmos de algo ou de alguém com desdém e descaso. Se rirmos pelo uso da inteligência, ou seja, do humor que acrescenta surpresa positiva e novidade, então estamos a despregar o sorriso, mas se nos rirmos do outro estamos a desligar-nos da nossa essência – que é espiritual. O outro é alguém como nós, uma criação de Deus, pelo que a diferença entre o que ri e aquele de quem se ri é a ignorância sobre o que somos – espíritos irmanados e em evolução. Espíritos a prestar provas, a cumprir missões e a expiar a sua dívida moral para com a vida. Cada um na sua etapa, mas todos orientados ao mesmo fim: o amor.

Aquele que sorri manifesta uma compreensão sobre a sua própria consciência espiritual, ou seja, sobre a proximidade entre todos. Quando olharmos para alguém, esse outro não pode ver visto apenas como o “cliente”, o “estranho”, o “alvo da chacota”, ou o amigo, familiar, vizinho, colega, mas sim como a pessoa que tal como nós está a caminho, a fazer o seu caminho. Aquela pessoa que vemos faz parte dos exercícios de vida a que estamos sujeitos para evoluir e que naquele espaço e tempo merece o nosso sorriso ou atenção. Porém, não se quer com isto dizer que devamos sorrir a tudo e a todos, mas sim ganhar consciência sobre o facto de que o sorriso ilustra o nosso ser, que com indulgência deve ser manifestado com quem interagimos mediante a circunstância. Sorrir é cuidar do outro raciocinando com inteligência sobre a essência e o propósito da nossa existência.

 

Referências

[1] Recuperado de http://espiritismoemportugal.blogspot.pt/2012/03/biografia-de-fernando-de-lacerda-o.html.

[2] Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Te%C3%B3filo_Braga.

[3] Recuperado de http://www.febeditora.com.br/departamentos/eca-de-queiros-postumo/#.WUozdOvyvIU.

[4] Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Augusto_de_Lacerda_e_Mello.

[5] LACERDA, Fernando, pelo Espírito de Eça de Queirós, Eça de Queirós Póstumo, Feb, 1999

Título: Eça de Queirós póstumo