Por que não acreditava Hawking em Deus?

 

Em meados do séc. XIX o influente educador e pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, publicou cinco livros denominados por codificação espírita. Rivail assinaria a autoria dos livros pelo pseudónimo de Allan Kardec. Nesta extensa obra o autor levanta novas hipóteses e exibe fortes evidências sobre a nossa natural religação a Deus, a missão de Jesus, o uso da razão em vez da crença cega, o destino do ser (espírito) após a morte do corpo, e o retorno à vida (reencarnação), pela perspetiva das vidas sucessivas.

  O consagrado cientista Stephen William Hawking (1942-2018), físico teórico e cosmólogo britânico era conhecido pela sua relutância em aceitar a existência de Deus. Numa entrevista ao jornal espanhol El Mundo [1], em setembro de 2014, Stephen Hawking voltou a referir que não há Deus algum. E dito isto, podemos questionar-nos sobre o porquê de uma das mentes mais brilhantes no seu domínio das ciências, não ser capaz de aceitar a ideia da existência de Deus. Mas também nos podemos questionar sobre se Stephen Hawking não acreditava, ou não compreendia a existência de Deus? E a que Deus Hawking se referia, aquele que nos fez, ou aquelo que nós fizemos, pela porta das religiões? A resposta de Stephen Hawking parece estar nestas suas palavras: “A religião acredita em milagres, mas estes são incompatíveis com a ciência”. Esta resposta remete-nos para outras indagações. Se Deus é perfeito e criador das Leis que regem a vida e o universo, os milagres não existem, pois são exceções às Suas próprias Leis. E se existem milagres Deus não é perfeito. Por esta perspetiva Stephen Hawking está certo, pois há uma contradição na relação entre Deus e milagres. De facto, a tradição religiosa habituou-nos a pensar em termos de crença e em milagres. E ainda que a igreja católica tenha mudado a abordagem sobre o conceito de milagre no Concílio Vaticano II, este continua a não ser explicado e entendido fora da crença. Neste particular, do milagre, Kardec refere:
“não sendo os milagres necessários à glorificação de Deus, nada, no Universo, se afasta das leis gerais. Deus não faz milagres, porque as suas leis sendo perfeitas, ele não tem necessidade de as derrogar. Se há factos que nós não compreendemos, é porque nos faltam ainda os conhecimentos necessários.” (A Génese, Cap. XIII, item 15, Edições Hellil, 2018) [1]
Todavia, Hawking não estará certo quando confunde a árvore com a floresta, ou seja, quando mistura a ideia da existência de Deus com o facto de haver religiões. Mas não é o único, afinal há séculos que vivemos mergulhados numa câmara de eco que faz ressoar a crença em vez do raciocínio. Stephen Hawking mistura as duas quando se refere ao deus das religiões, feito pelo Homem para fundamentar crenças, em vez de raciocinar com base no Deus que fez o Homem, sobre o qual recaem as Suas leis. Misturam-se conceitos quando se confunde Deus com religiões, pois põe-se a crença (por vezes cega) no lugar da razão. Citemos Allan Kardec: “O livre-pensamento eleva a dignidade do Homem, dele fazendo um ser ativo, inteligente, em vez de uma máquina de crer” (Allan Kardec, Revista Espírita, fevereiro de 1867). Sublinha-se ali que o verbo a aplicar à ideia da existência de Deus é “compreender” em vez de “crer”, sem se raciocinar. Tal como tantos outros cientistas, o astrofísico Stephen Hawking é positivista, pelo que assume à partida uma posição de negação sobre a existência de Deus. E aqueles que não negam a existência de Deus, ou seja, de uma realidade que inclui a nossa existência espiritual a par da física, da matéria, dizem ser desnecessário saber quem faz o quê (Deus), basta estudar-se o “quê”, pois “a coisa” é o objeto de estudo. A questão é que a “coisa” inclui a realidade espiritual e sem ela a equação estará sempre incompleta. E se a incluirmos quereremos saber que leis regem o que está para lá da matéria e do que hoje é analisada no estudo (comum) das ciências. Fazê-lo sem se admitir a existência de Deus nada muda em relação ao objeto de estudo, mas tudo muda em relação ao centro a partir do qual se faz o estudo. Até aqui acha-se que o ser humano, físico, reduzido à sua finitude, bem como a Terra são o centro. Também se acha que não há contínuo no tempo, para o espírito, logo uma relação entre matéria e tempo que vai muito para lá do que se consegue observar pela abordagem corrente. A crença de Hawking na matéria, naquilo que se consegue medir e conceber racionalmente, tal como outros indivíduos da ciência, esta bem presente na sua entrevista ao El Mundo:
“conseguiremos entender a origem e estrutura do Universo. Na verdade, agora já estamos perto de atingir esse objetivo. Na nossa opinião não há nenhum aspeto da realidade fora do alcance da mente humana.”
Para Stephen Hawking, Deus, a nossa própria realidade espiritual, está inevitavelmente fora daquele quadro. Contudo, é paradoxal o facto de ser a matéria o que Stephen Hawking menos dominava em si mesmo, ou seja, o próprio corpo, que pela doença (esclerose lateral amiotrófica) o mantinha incapaz de agir sem auxílio externo. O outro paradoxo é a fonte que lhe alimentava a vida ser a inteligência e o amor, ou seja, o imaterial. A inteligência garantia-lhe o brilhantismo do trabalho científico. O amor mantinha-lhe a esperança na vida, em particular, a partir do apoio da sua primeira mulher: Jane Wilde Hawking – sobre esta relação ver o filme “A Teoria de Tudo”, que adapta a obra biográfica “Travelling to Infinity: My Life with Stephen”, de Jane Wilde Hawking, na qual se descreve os anos passados ao lado do cientista e o exercício do amor na dedicação ao próximo. Stephen Hawking viveu contra todas as probabilidades. O tempo de vida previsto após o diagnóstico da sua doença, aos 21 anos, era de apenas dois anos. Porém, viveu até aos 76 anos, contra todas as probabilidades ditadas pelo ser humano. Paradoxal para um indivíduo que só entendia o que media, na matéria? Disse Hawking naquela entrevista: “não há nenhum aspeto da realidade fora do alcance da mente humana”. Mas se assim fosse como explicaria a sua própria vida? O mais certo é não saber. O mais certo é nem saber que morreu, ainda. Mas a seu tempo, queira Deus, será capaz de responder ao seu próprio paradoxo. Há uma realidade para lá da que se mede ao microscópio ou que se estabelece nos cálculos matemáticos. Essa é a realidade concebida por Deus para todos, sendo o ser humano uma parte desse todo. Entendamos, no entanto, que a vida não é um castigo. O retorno à vida de cada um de nós, no corpo que temos (reencarnação), é exigente. Exige-se melhoria moral e intelectual, mas onde falhamos é no comportamento moral e por isso vamos fazendo mau uso da inteligência evoluída. Assim, é por meio de provas e expiações (desafios e dores pelo que já fizemos visando que compreendamos que fazê-lo causa dor), ponderadas pela Lei de Causa e Efeito (a tal Lei de Deus que recai sobre o que não é matéria – o espírito), e, com cada um a usufruir das suas próprias escolhas (o livre-arbítrio), que a evolução individual se perfaz a cada retorno à Terra. Compreender as realidades de Deus predispõe o ser humano a se religar à fonte de inspiração – ao divino, e assim fazer acrescer entendimento sobre as responsabilidades a que está acometido na sua vida. Compreender Deus não lhe serve para adorar ou temer, mas sim para agradecer a oportunidade que cada dia dá à melhoria íntima e em favor dos outros. Negligenciar isto é atrasar a evolução, inevitável, do indivíduo por ausência de educação espiritual, não é pecar. E crer em Deus sem compreender é dar aso ao medo, à mistificação, ao vazio que muitas religiões criaram nos seus crentes.  

Referências

[1] Reportagem sobre Stephen William Hawking: http://observador.pt/2014/09/21/nao-ha-deus-nenhum-afirma-stephen-hawking/. [2] KARDEC, Allan, A Génese. Edições HELLIL. 1ª edição, 2018.
Título: A Génese