Meditar para nos ligarmos

 

“Seja paciente com todas as coisas, mas seja sobretudo paciente consigo mesmo. Em vez de perder a coragem detendo-se nas suas próprias imperfeições, dedique-se imediatamente a corrigi-las; retome a tarefa todos os dias” 

(Francisco de Sales)

Nos Estados Unidos quase nove milhões de pessoas precisam de medicamentos indutores de sono com receita médica para dormir, e de 1988 a esta parte a percentagem de adultos a tomar antidepressivos aumentou 400 por cento.

Nos Estados Unidos quase nove milhões de pessoas precisam de medicamentos indutores de sono com receita médica para dormir, e de 1988 a esta parte a percentagem de adultos a tomar antidepressivos aumentou 400 por cento. De acordo com uma pesquisa da Mental Health America, 85% dos trabalhadores afirmam que o local de trabalho impacta negativamente o seu estado mental. Em Portugal, estudos indicam que 22,9% da população apresenta um diagnóstico de perturbação psiquiátrica.  Na europa, o sofrimento pelo sentimento de solidão alcança mais de 30 milhões de pessoas, sendo 40% destas jovens com idades entre os 16 e 24 anos (in European Social Survey, 2019).

Na Europa, o aumento anual do consumo de antidepressivos entre 1995 e 2009 estava a ser de 20% e no Reino Unido as receitas de antidepressivos tinham aumentado 495% desde 1991. A Alemanha perdia em 2011 cinquenta e nove milhões de dias de trabalho devido a doenças psicológicas, representando um aumento de mais de 80% em quinze anos (“Terceira Medida do Sucesso”, Arianna Huffington) [1].

Todos estes números aumentaram exponencialmente por decorrência da COVID 19. E face a isto, como compreender esta escalada e o quadro de saúde mental descrito? Talvez, refletindo sobre a forma como muitos de nós vivemos inconscientes, pois não sabemos por que fazemos o que fazemos.

Vastas vezes vemo-nos mergulhados na superficialidade das relações vazias de afeto na busca de risos bajuladores. Outros vivem alienados pela “deusa Internet” no maravilhamento do imediatismo do acesso e do automatismo das conexões. Muitos esqueceram a relevância do silêncio e do recolhimento para se escutar, para se ligar a algo para lá do seu ego, ao que está em nós no nosso Self, Deus. Porém, uma incontável quantidade de pessoas afastou-se de Deus por preguiça ou incapacidade para o buscar em si. Depois de o termos perdido onde a igreja o tinha colocado, ou incompreendido depois de outros o tentarem esconder intelectualizando-O, cada um de nós tomou posse de Deus, e o nosso ego passou a reinar [2].

E no meio de todo este bulício egótico, a sociedade passou a confundir propósito com objetivos. O propósito diz respeito ao sentido para o qual vivemos. Neste âmbito os Espíritas dirão que o propósito é gerar empatia e sermos compassivos contribuindo-se para a modificação íntima e a evolução do ser, pois sabem que por essa via ganham ferramentas para mais bem-estar e dias felizes. Os materialistas dirão que é para serem ricos, embora o que queiram seja igualmente felicidade e bem-estar. E muitos dos demais admitirão que é a caminhada espiritual ou interior em modo ascendente que os conduza a mais felicidade. Na verdade, quase todos estarão de acordo que o propósito da vida não é ter posse de coisas materiais, mas a forma como se pode viver com os outros e consigo mesmo, ainda que o conforto das coisas necessárias para esse fim.

Com os ditos “objetivos”, as coisas são diferentes. Os objetivos são pequenas metas, ou conquistas, que podem incluir o alcançar de um melhor emprego, a aquisição de algo, o ser-se mais atento aos outros no dia-a-dia, o ser-se mais solidário. Neste âmbito, os mais materialistas centrar-se-ão em coisas mais terrenas e os mais espiritualistas incluirão no seu ideário metas intermédias de melhoria interior. E nesta dicotomia vai-se jogando a vida de muita gente.

Face à perda de sentido pelo excesso de objetivos exteriores, por vezes, lança-se a confusão íntima que conduz à angústia, à exaustão emocional, à depressão, em suma, à desorganização do indivíduo. Porém, quando confrontados com a morte, tudo parece simplificar-se, tal como refere Arianna Huffington no seu livro. Por exemplo, nota-se uma interessante contradição entre aquilo que é valorizado nos dizeres de despedida numa cerimónia fúnebre e o que se busca em vida no frenesim social.

No frenesim do viver fomos sendo habituados a medir o sucesso pelo dinheiro, profissão e estatuto social, pelo que nos entreolhamos cm esta bitola. Medimos o temos e não o que somos. Todavia, nas exéquias fúnebres, ninguém se refere ao que o defunto tem (tinha), ou se foi presidente de uma empresa ou telefonista. As referências vão para aquilo que o indivíduo foi como ser, a quem fez bem, à personalidade no recato da família e entre amigos, e sobre o que soube edificar para a sociedade em termos humanos e culturais. E se é isto o que se dignifica face à finitude da matéria, porque razão fazemos diferente na corrida de obstáculos que é a vida? Como mudar o comportamento que nos tem conduzido à desorganização íntima e à doença mental?

Huffington, empresária de sucesso residente nos Estados Unidos da América, depois de uma quebra abrupta de saúde procurou compreender a razão pela qual vivia centrada em si, no que queria conquistar e na corrida contra o tempo em que vivia em nome de um percurso profissional. Esse ritmo frenético tinha-lhe trazido stress, o afastamento da família e a perda de paz interior.

Para contrariar aqueles efeitos criou práticas para mudar o seu comportamento. Nelas incluiu horas regulares de sono, i.e., horas certas para dormir e pequenos rituais do sono – tal como vestir roupa que só se usa para a cama; Exercício físico – com pelo menos quarenta minutos de caminhada por semana; Realização de pausas para refeições sem ecrãs e agitação; Meditação.

Sabe-se que a meditação ajuda a serenar e a criar foco naquilo que envolve a pessoa ajudando-a a valorizar o que lhe faz bem e a conduzir-se para dentro de si mesmo, para a sua acalmia, para a tomada de consciência, e sem se alhear da realidade que a rodeia. Há diversos estudos que correlacionam a meditação com a saúde física.

Por exemplo, os cientistas Herbert Benson e William Proctor [3] indicam que a meditação pode ter impacto positivo no tratamento de náuseas, diabetes, asma, reações cutâneas, úlceras, tosse, insuficiência cardíaca congestiva, tonturas, edema pós-operatório e da ansiedade. Referem ainda que praticamente todos os problemas de saúde e doenças podem sofrer uma melhoria a partir de uma abordagem mente-corpo. Referências idênticas são encontradas no livro “Refletindo a Alma: A Psicologia Espírita de Joanna de Ângelis” [4], em que se menciona a importância da ligação da mente à natureza e à prática da concentração, da meditação e da busca da harmonia.

Por exemplo, os estudos de Mark Williams e Danny Penman assinalam descidas de 23% nas taxas de mortalidade em pessoas que meditam relativamente às que não o fazem. Investigadores do Massachussets General Hospital, Beth Israel Deaconess Medical Center e da Harvard Medical School mostraram que os benefícios do relaxamento mental produzidos pela meditação, ioga e exercícios respiratórios promovem a ativação de genes relacionados com o reforço do nosso sistema imunitário, reduzindo ainda a inflamação e ajudando ao combate diversos problemas, tais como artrite, diabetes e hipertensão. [1]

A saúde física está intimamente ligada à forma como lidamos com o pensamento e com os valores a ele associados, ou seja, às vivências. Este exercício pode ser feito por todos e de forma fácil a partir do meditar, podendo ser realizado no silêncio de um recanto, nos momentos de paragem, tal como no semáforo, na passadeira, ou mesmo na espera do autocarro. O importante é parar, respirar e olhar em volta, tal como refere Tessa Watt no seu livro “Mindful London”.

E o que é a meditação no contexto do ser espiritual que todos somos? Diríamos que é o exercício de paragem e concentração na busca da harmonia. Por ela busca-se a ligação que se estabelece entre o nosso íntimo (inconsciente) e o que nos rodeia para lá da matéria e do consciente – sob a égide do ego (por vezes “adoentado”). Ao fazê-lo, desligamo-nos da agitação para criar condições de escutar ao nosso íntimo. Desta forma podemos melhorar a sintonia espiritual a partir dos Espíritos que nos podem auxiliar.

Os Espíritos auxiliam pela inspiração e pelo apuro da intuição. Por estes encontramos respostas, apuro criativo, sentido, confiança e paz. Assim, a paragem não é igual a vazio. Não há vazio, mas sim sintonia. É fazer tal como Jesus aconselhou: “Orai e vigiai o pensamento”. A meditação cria essa condição de sintonia, limpa algum do “lixo” que por vezes polui o nosso campo espiritual pela exaltação dos sentimentos ou excitação das emoções de baixa condição moral. Em síntese, a melhoria de saúde não sucede pela meditação em si, mas pelas condições para a ação espiritual que nos auxilia na mudança de comportamentos, reorientando propósito e objetivos.

E quem são esses espíritos que nos auxiliam? Desde logo o nosso Espírito guia e protetor. Sim, todos temos um, tal como é mencionado por Allan Kardec em “O Livro dos Espíritos” (ver questões 491, 492 e 493, do cap. VI – Anjos da Guarda, Espíritos Protectores, Familiares ou Simpáticos) [5]. Transcrevemos abaixo estas mesmas questões.

Questão 491. “Qual a missão do Espírito protector? A de um pai para com os filhos: conduzir o seu protegido pelo bom caminho, ajudá-lo com os seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições sustentar sua coragem nas provas da vida.”

Questão 492. “O Espírito protector é ligado ao indivíduo desde o seu nascimento? Desde o nascimento até à morte, e frequentemente o segue depois da morte, na vida espírita, e mesmo através de numerosas experiências corpóreas porque essas existências não são mais do que fases bem curtas da vida do Espírito.”

Questão 493. “A missão do Espírito protector é voluntária ou obrigatória? O Espírito é obrigado a velar por vós porque aceitou essa tarefa mas pode escolher os seres que lhe são simpáticos. Para uns, isso é um prazer; para outros, uma missão ou um dever.”

Dito isto, compreende-se que o Espiritismo acrescenta valor à prática da meditação, por que permite ao indivíduo compreender os efeitos a partir das causas. A causa é espiritual e o efeito é a melhoria íntima pela ligação àqueles que nos auxiliam. Ao fazê-lo, também nos protegemos contra pensamentos contrários ao nosso bem-estar.

Note-se que o pensamento é construído pelo indivíduo, mas também sugestionado pelos espíritos que nos rodeiam – que a nós se afinizam, se ligam, uns com o fim de nos inspirar, ajudar, e outros com o intuito de nos perturbar, como por exemplo, excitando a raiva (por vezes. Excitando-nos a desconfiança, o ciúme), a angústia (incutindo a dúvida e a tristeza, baixando a autoestima, ou levando à perda de fé), ou mesmo contribuindo para a doença: neurose, depressão, esquizofrenia, por esta ordem, desde os casos mais ligeiros de perturbação e interferência com o normal exercício da vontade por parte do indivíduo, até aos casos mais graves.

Isto mesmo é explicado pela epigenética, que estuda os mecanismos moleculares por meio dos quais o meio ambiente controla a atividade genética. Alguns destes estudos mostram que os seres vivos não são controlados pelos genes e outros revelam que o ADN é dominado pela energia que emana do pensamento. Em suma, as nossas projeções mentais influenciam diretamente a nossa saúde.

Tal como resumido por Allan Kardec, “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei”. Compreender isto é introduzir a noção de causa e efeito que nos responsabiliza pelo que somos e fazemos. É tornar explícito o que é transcendente e permitir que a razão auxilie à destrinça de pensamentos. É agir para que a sintonia de pensamentos seja a favor do nosso bem-estar e alcance de felicidade, nesta vida e no provir.

Referências

[1] Huffington, A., Terceira Medida do Sucesso, Editorial Presença, 2015.

[2] FRANCO, Divaldo, pelo Espírito Joana de Ângelis, comentado por Cláudio Sinoti e Iris Sinoti, Em Busca da Iluminação Interior, LEAL, Salvador, 2017.

Título: Em busca da iluminação interior

[3] Benson, H & Proctor, W., Relaxation Revolution, Scribner, 2010.

[4] FRANCO, Divaldo, pelo Espírito Joanna de Ângelis, Refletindo a Alma: A Psicologia Espírita de Joanna de Ângelis, LEAL, 4ª edição, 2016.

Título: Refletindo a Alma, a Psicologia de Joanna de Ângelis

[5] KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos, Publicações Hellil.

Título: O Livro dos Espíritos