Quem sou eu?

 

Quem sou eu, está definido dentro e através das minhas relações com os outros: Eu completo-me através dessas relações e não existo fora delas. Portanto, o meu trabalho em prol de outros é simultaneamente trabalho em prol de mim mesmo.”

(EE Sampson, 1979 – Psicólogo americano)

Edward E. Sampson [1] convida-nos a refletir sobre o que somos observando a forma como lidamos com os outros. É uma reflexão justa e suficiente para encararmos a vida, mas apenas a partir da perspetiva terrena. Porém, nós já nascemos antes, pelo que já vivemos outras existências. Somos portadores de uma herança intelectual e moral, que traz consigo todo um historial de interações sociais e espirituais. Neste sentido, há que dar atenção à volubilidade do pensamento face à sugestão das pessoas e dos espíritos.

Somos a decisão de hoje, face ao que sabemos que sabemos e aos registos no nosso inconsciente do que fomos. Ali residem cicatrizes profundas fruto das nossas quedas morais, ensinamentos e liames de amor. Afinal, já vivemos antes. Assim, somos o resultado da forma como fizemos o bem, como fizemos o mal e como não soubemos fazer todo o bem que podíamos ter feito. Somos o “eu” que resulta deste conjunto. E sendo assim, será que sabemos o tipo de “eu” que somos?

Atente-se primeiro à forma como alguns campos da ciência analisam empiricamente as diferenças de interação a partir da personalidade de cada um. Em geral, a personalidade é entendida como um sistema psicológico formado por partes interdependentes que ajudam os seres humanos a lidar com ambientes sociais complexos. Uma das linhas de investigação que neste âmbito reúne maior consenso designa-se por modelo de personalidade Big Five(B5), inicialmente desenvolvido por Ernest Tupes e Raymond Christal, em 1961.

O B5 é um sistema de traços independentes, relativamente estáticos, baseado em cinco traços de personalidade, pelos quais se procura explicitar as emoções que agem como sistema de autorregulação do quadro psicológico de cada indivíduo. Isto, a partir do pressuposto de que a regulação se ajusta a partir de metas pessoais ou resultantes da socialização. Este sistema debruça-se sobre a forma como cada indivíduo se vê socialmente e age em relação aos outros. Esses traços são a extroversão (i.e., a sociabilidade, assertividade), negatividade e neuroticismo (i.e., tendência para emoções instáveis), afabilidade (i.e., ser-se cooperativo, de confiança), atenção e abertura para a experiência (i.e., imaginação, sentimentos, ações, ideias), consciência (i.e., competência, autodisciplina, reflexão, orientação para objectivos) [2], [3], [4].

Estas e outras abordagens da ciência caracterizam o ser humano a partir da visão da matéria afirmando que somos essencialmente resultado de fatores genéticos e da sua interação com o meio físico e sociocultural envolventes. Neste âmbito, importa conhecer a abordagem que caracteriza o indivíduo na sua interação com o meio envolvente, ou seja, relativa à análise da construção do “Eu superior” (Self) e do equilíbrio do ego. Esta interação influencia a formação da personalidade e a relação com o meio visando a formulação de respostas dentro de um quadro psicológico equilibrado, tal como tratado pelo Espírito Joanna de Ângelis, na psicografia de Divaldo Franco, na obra “Refletindo a Alma” [5].

A personalidade humana reflete o que cada um é na dialética entre o Self e o ego, ou seja, como pensa e reage a si mesmo, bem como em relação aos outros que o rodeiam. Este somatório resulta das escolhas feitas e reflete a dualidade de interações sociais (físicas) e espirituais (de cariz ético-moral), as quais presidem à mente espiritual. Através de princípios eletromagnéticos do campo vital, a mente espiritual comanda as forças subconscientes sob a determinação direta da vontade. As ondas eletromagnéticas do pensamento ao serem captadas pela glândula pineal (localizado no topo da nossa cabeça e que funciona como um router) fazem vibrar os cristais de apatita formados na pineal transformando essas ondas em estímulos neuro químicos [6]. Neste contínuo de interação molda-se o presente e o provir da personalidade do indivíduo, sempre sob o domínio da sua própria vontade, que lhe molda a conduta.

A personalidade enquanto reflexo moral do comportamento é, a cada reencarnação, a caixa de instrumentos que ajuda a expandir ou a limitar as tendências de cada um. Tendências que devem ser alinhadas com os valores morais, a par do desenvolvimento intelectual. Por esta razão estamos naturalmente orientados a fazer o bem e não o mal, a sermos solidários, caridosos (não apenas materialmente, que será a forma mais fácil), e a ganharmos consciência sobre a causa e o efeito das nossas ações. Tudo isto tem implicação na expansão ou limitação da personalidade por forma a nos calibrarmos moralmente.

E se na criação de Deus nada é feito sem um propósito, que é sempre bom, como encontrá-lo para nós? Equilibrando o ego e expandido o Self. O ego é centro da consciência e o Self o centro da totalidade, que é o nosso inconsciente. Um ego não adoecido (que não nos faz egoístas) percebe o seu papel como participante da vida e da necessidade da presença dos outros e de Deus em si próprio, no ser humano [5], pelo que colabora na criação de uma atitude empática e compassiva para com os outros.

Em síntese, os traços de personalidade são o instrumento de interação com a envolvente sociocultural que ajuda à transformação íntima do indivíduo. Vai permitir reagir à adversidade e à abundância (material e espiritual) no decurso das diferentes experiências da vivência terrena, as quais estão sujeitas ao livre arbítrio e às consequências da lei de causa e efeito.

Atendendo a estes factos e compreendendo-se que a personalidade humana não se restringe à realidade espaço-tempo terrena e do momento presente, os investigadores podem abrir novos e desafiantes campos de intervenção. A ascensão desta consciência, nomeadamente a título individual, pode permitir novas abordagens às temáticas da solidariedade, da inclusão, da aceitação da diferença e do valor da diversidade.

Um exemplo deste contexto de interações é o indivíduo ciumento, que ao sê-lo denota profundas manifestações egoicas (sintomas). Se o indivíduo ciumento está consciente de si e tenta a modificação desse sintoma, mas se o faz sem a devida transformação íntima, o seu ego vai procurar outras formas para se expressar, como que a esconder o sintoma. Pode, por exemplo, fazê-lo a partir de processos de somatização, em que o corpo adoecido revela as necessidades da psique.

E porquê? Porque aquela mudança estrutural não teve equivalência em termos de transformação moral, não alcançou a mudança na essência da pessoa. Dar um primeiro passo naquela direção permite a aceitação, depois, e após se confrontar com esse seu lado sombra, o indivíduo ficará mais consciente e preparado para vencer esse desafio. E ainda que viver o conflito pela mudança seja importante, é de evitar a luta contra a própria sombra, ou viver a sua negação, tal como refere Joanna de Ângelis [5]:

“Lutar contra a sombra representa proceder a um desgaste inútil de energia. Quando é identificada, a energia retorna à psique, e, à medida que ela é integrada, mais vigor se apresenta no ser consciente”.

A transparência sobre o que somos, aceitarmos como somos e trabalhar intimamente para modificar e dar tempo para que isso se processo será sempre a melhor via. Se nos aceitarmos, saberemos aceitar os outros. E ao fazê-lo saberemos conviver, compreender, ser indulgentes, misericordiosos e perdoar [idem]. E isto é saber amar. É o amor o verdadeiro agente de mudança, o maestro que marca o compasso e o tempo na rede social e espiritual a que pertencemos.

 

Referências

[1] SAMPSON, E.E. (1979). “Psychology and the American ideal.” Journal of Personality and Social Psychology, 38(1), 105–107.

[2] HASTINGS, H. (2007). ROY G. BIV and the OCEAN – A Heuristic Metaphor for Understanding the Role of the Five-Factor Model in Personality Research.

[3] LAWRENCE, F. (2009). A Cybernetic Model of Global Personality Traits.

[4] ROBERT, S. (1999). Social/Personality Psychology in Context.

[5] FRANCO, Divaldo, pelo Espírito Joanna de Ângelis, Refletindo a Alma: A Psicologia Espírita de Joanna de Ângelis, LEAL, 4ª edição, 2016.

Título: Refletindo a Alma, a Psicologia de Joanna de Ângelis

[6] Recuperado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Gl%C3%A2ndula_pineal.