No Vulcão dos preconceitos

No Vulcão dos preconceitos
Título: No Vulcão dos preconceitos
Autor: Arnaldo Costeira
Pelo Espírito: Fernando Pessoa
Género: Romance
Editora: Hellil
Observações: 1ª edição em 2013

Este é um livro cujo impacto sobre o leitor pode variar mediante seja o seu entendimento sobre três aspetos principais: 1) o que é a mediunidade; 2), quem foram os indivíduos, nomeadamente os escritores, que participaram no encontro de 18 de abril de 1970, em Lisboa, na dimensão espiritual; 3) reconhecimento da credibilidade do autor. Isto, no sentido de se aceitar o relato do livro como um facto e não como uma ficção.

Comecemos por compreender quem é quem entre os principais intervenientes do livro. Mário de Sá Carneiro (1890-1916) que, na abertura do livro, apresenta uma carta psicografada pelo autor, Arnaldo Costeira, iniciando-a com um clarificador “estamos de volta”. Nela refere: “Temos, com outros companheiros da Poesia e da Literatura em geral, ponderado e analisado, desde há muitos anos, as muitas interpretações que alguns investigadores fizeram ou vão fazendo acerca do nosso espólio e, no caso do Fernando, da sua própria literatura, ele que foi um instrumento dócil de um vasto conjunto de intelectuais, e não só, que divagaram e divagam neste plano que não é mais do que a extensão desse.”  Sá Carneiro, poeta, cofundador da Revista Orpheu, animador de boa parte dos clubes de teatro de Lisboa, em 1907, fundador da Sociedade de Amadores de Teatro, figura grata da cultura portuguesa, apontado como grande, tal como Pessoa e seu amigo. Ele, que numa das cartas da frequente correspondência entre ambos, escreveu: “Depois, de tudo isto, meu amigo, mais do que nunca urge a Europa”. Sá Carneiro que não soube compreender o sentido da vida. Suicidar-se-ia em Paris, aos 25 anos.

Fernando Pessoa (1888-1935), figura central deste livro, em torno do qual se procura esclarecer os preconceitos que viveu e sobre se se verteram, nomeadamente em torno da sua mediunidade. Uma mediunidade não reconhecida e que seria alvo de ultraje e em resultado da qual, erradamente, designaram outras origens para a prolífica produção literária. Chamaram-lhe heteronímia, em vez de se reconhecer a verdadeira fonte: os espíritos que por Pessoa se fizeram comunicar, tal como mencionado por Sá Carneiro: “ele que foi um instrumento dócil de um vasto conjunto de intelectuais”.

Pessoa, por temer o crítico literário Adolfo Casais Monteiro e por recear não ser aceite no grupo dos fazedores da nova poética portuguesa, lança sobre todos, o manto da dúvida, que persiste até hoje no meio literário e intelectual: heteronímia e genialidade ou mediunidade como instrumento da genialidade? No livro de Arnado Costeira e em discurso direto, Pessoa diz: “- É do conhecimento geral que sofria crises frequentes, que não sabia identificar, senão através de referências a problemas médicos. Daí que os identificasse como crises de histeria, ou neurastenia, ou as duas. E foi por isso que tomei contacto com o Espiritismo, na medida em que foi a minha tia quem me levou à casa que frequentava e onde identificaram o meu problema com perturbação espiritual, acabando por saber que isso se devia a eu, também, ser portador de mediunidade.” (p. 70)

Camilo Castelo Branco (1825-1890), outro importante interlocutor na tertúlia de 1970 no Martinho da Arcada, e que igualmente ficou a dever à vida, ao lhe ter posto fim pela porta do suicídio, refere, em carta psicografada no início deste livro: “Quase todos mais ou menos conscientemente, interrompemos a nossa vida física, endividando-nos com as Leis divinas, o que implicou que, em fases diversas e por períodos de tempo consentâneos com a gravidade dos erros, tivéssemos voltado à Terra, para completarmos as experiências interrompidas pela incúria e, repito, falta de vigilância.” Camilo, um dos mais estudados autores da História da Literatura Portuguesa e que, em Portugal, talvez só António Vieira tenha escrito tanto quanto ele.

Antero de Quental (1842-1891) que, no período da sua encarnação, disse “Portugal ou se reformará política, intelectual e moralmente ou deixará de existir. Só males são reais, só dor existe. Prazeres, só os gera a fantasia”. Ele, que foi um dos maiores escritores portugueses de sempre. No livro de Costeira é relevante, entre outras, a questão que coloca a Pessoa: “Essa coisa da mediunidade é assim tão dolorosa?” Responde Pessoa dizendo que o difícil é vencer os preconceitos sociais em que se vive mergulhado e ter-se “uma dedicação consciente e esclarecida, muito se tem que evitar, em sentimentos, pensamentos e actos, buscando o aperfeiçoamento espiritual e isso custa mesmo muito. É mais fácil comprar as coisas do que fazê-las.”

Também António Nobre (1867-1900) se reuniu na referida tertúlia no Martinho da Arcada. Nobre foi poeta, considerado o menos intelectual da literatura portuguesa. O seu legado abriu portas para a poesia moderna e contemporânea. A tuberculose lavrou-lhe a vida aos 33 anos. No livro, e também em discurso direto, Nobre questiona Pessoa sobre se achava que a sua vida tinha sido “um falhanço” (p.83). Respondeu que sim, dado que Pessoa tinha pressentido “que a Nova Poesia Portuguesa poderia passar a ser a Armada das novas descobertas, no domínio do Espírito (…)” (idem).

Esta é uma obra surpreendente e reveladora; um manancial informativo para compreendermos a teia de relações entre o plano espiritual e terreno num domínio tão particular como a literatura. Ela, que deveria assumir um papel líder na ajuda à transformação do entendimento sobre o funcionamento da vida. Mostra-nos ainda as provas e dificuldades que as vestes do corpo trazem a todos, mesmos àqueles de quem se espera mais, tal como sucedeu com este grupo de escritores portugueses. É

necessário ter coragem para vencer os preconceitos e dar o testemunho da Verdade de Jesus. A leitura deste livro mostra-nos que vale a pena vencer o preconceito social, a falsa religiosidade e trabalhar com os instrumentos que a vida dá em nome do bem.