Num estudo na área da psicologia realizado por Diener Pavot e Sandwick, em 2004, conclui-se que a felicidade está relacionada com a frequência diária de afetos positivos e não com a intensidade de um dado sentimento.
A Filosofia ao longo dos tempos foi considerando a felicidade como bem maior e principal motivação para a ação humana. Um facto que motivaria várias correntes de estudo sobre a forma de se viver melhor, ou mesmo de se curarem doenças resultantes da falta de felicidade. No entanto, nem sempre a cultura vigente nos motiva ao bem-estar que de forma coerente possa conduzir à almejada felicidade.
Isto mesmo foi o que concluiu Raj Raghunathan [1], investigador e professor de Marketing na McCombs School of Business da Universidade de Austin no Texas (EUA). Raghunathan analisou o comportamento dos americanos no contexto social e laboral ao longo das últimas décadas e constatou que estes aumentaram o número de horas de trabalho e assim ganharam mais dinheiro, pelo que puderam comprar mais coisas e ter mais bens materiais. Porém, essas pessoas viviam menos felizes. A conclusão fê-lo questionar-se sobre a razão pela qual pessoas que trabalham mais horas para ganharem mais dinheiro, afinal, se sentem mais infelizes?
A Economia avalia a qualidade de vida das pessoas e da sociedade em geral pelo número de coisas, ou seja, a partir da quantidade de bens, mercadorias e serviços produzidos pelas comunidades. As ciências sociais fazem essa mesma avaliação somando aos indicadores de Economia outros de cariz social, tal como taxa de criminalidade, expectativa de vida, respeito pelos direitos humanos e distribuição equitativa de recursos. No fundo, nenhum dos indicadores de avaliação da qualidade de vida justifica a felicidade.
Há quem explique que o bem-estar proporcionado pelo conforto dos bens, por exemplo, acesso a uma casa acolhedora, roupas confortáveis, melhores estudos, etc., é distinto de felicidade. As pessoas ao buscarem a acumulação de bens encontram maior bem-estar, mas continuam em busca da felicidade, pois a este conceito corresponde um sentido mais amplo, que inclui a envolvência espiritual. Esta contém a criação e manutenção de laços afetivos, tempo para o próprio e para os outros, bem como a compreensão da ligação de cada um a um Todo.
Esta mesma ideia foi defendida pelos investigadores Diener Pavot e Sandwick na década de 90, que referiam que a felicidade estava mais relacionada com a frequência diária de afetos positivos (relacionamentos interpessoais), do que com a intensidade de um dado sentimento. Os afetos positivos refletem-se nas ações sobre outras pessoas, nomeadamente nas formas atenciosas, carinhosas ou respeitosas como se tratam familiares, amigos, vizinhos, mas também desconhecidos. Adicionalmente, se somos seres espirituais, essa realidade também deverá ter de entrar nesta equação, pelo que aos relacionamentos interpessoais devemos somar os relacionamentos (inter)espirituais – no sentido das relações entre espíritos encarnados e não encarnados.
Nos relacionamentos interespirituais a interação dá-se com a dimensão espiritual, pelo que é dependente do teor dos pensamentos emitidos e recebidos, ou seja, da harmonia íntima de cada um, pela qual se liga a espíritos afins – por afeto ou desafeto. Neste sentido, a equação em torno destas interações inclui informação que não conhecemos, mas que nos pode beneficiar, por exemplo, por via da inspiração ou apelo apoio à intuição. E entre estes há igualmente espíritos que, pelo desafeto, nos podem ou querem perturbar ou mesmo prejudicar, nomeadamente como forma de retaliação pelo mal que lhes possamos ter causado em vidas passadas. E dado isto, o que fazer?
Se cada um for alterando o seu comportamento, para que a frequência de onda emitida pelo seu pensamento se aproxime da sintonia que queremos alcançar, que idealmente será a de Jesus, então é possível avançar nesta direção por etapas intermédias. A cada etapa equivale um avanço no tipo de lide que realizamos com a nossa sombra (os nossos defeitos e dificuldades morais), pensamentos e comportamento. Para o fazermos temos como instrumento os ensinamentos de Jesus, nomeadamente sobre a importância de orarmos e vigiarmos os nossos pensamentos. Esta prática íntima ajuda a nos cuidarmos a este nível. Neste sentido, à felicidade que se ergue pela frequência diária de afetos positivos, do exercício interpessoal, acresce a harmonia proporcionada pelo cuidar das interações interespirituais.
É ainda importante sublinhar que, tal como a oração é um importante instrumento de ajuda, também o são a meditação e o recolhimento, a par da convicção de cada um.
“A felicidade não é deste mundo”, disse Jesus, a que corresponde o facto de a felicidade ser uma questão de postura existencial. O mundo a que Jesus se refere é o do desapego à efemeridade material. Nesse “mundo” (estado de elevação) o adiantamento a nível moral é mais acentuado que na Terra, de hoje, tanto a nível intelectual como espiritual. A Terra encaminha-se para esse estado de elevação, mas por enquanto todos vivemos expiações e provas, ponderadas pela lei de causa e efeito, onde o sofrimento se sobrepõe à felicidade. A dor ainda prevalece face ao amor, não por castigo, mas como consequência do atraso espiritual geral. Ainda nos deixamos dominar pelo ego e comportamento egoísta, pelo que para nos desembaraçarmos de afinidades espirituais que nos atrasam temos de nos libertar das amarras do comportamento egótico, que se julga dominador do “eu”.
O nosso “eu” é dominado pelo inconsciente, não pelo consciente, cujo centro é o ego. Quer isto dizer que muitos de nós nos mantemos equivocados e sem disciplina íntima. O Self, é o “Eu superior”, que deve ser desenvolvido, não o ego do “eu” dos prazeres mundanos, pois esse carece de equilíbrio. Deste equívoco resulta o alimentar das ideias que dão a sensação de preenchimento interno, tal como sucede com os cargos de poder, status social ou religioso, rendimentos financeiros, com a posse em geral. O ego exige destaque e compensação, no entanto, o desenvolvimento do “eu”, pela perspetiva do Self (o “Eu superior”), direciona a nossa atenção para o outro, para a caridade a que se referia Jesus, para a empatia e compaixão geradora de afetos.
Por isso são tão relevantes os intercâmbios de afeto e a nossa ligação íntima ao todo espiritual na busca da harmonia e do diálogo (oração). E isto pode ser praticado no nosso quotidiano, por exemplo, bem dizendo de algo que nos corre bem, ou da ideia que tivemos. Orar não é fechar-nos no quarto para longas rezas e palavras bem-ditas [2].
Um exemplo do referido desequilíbrio dá-se em pessoas carentes afetivamente:
“Quando se é carente de afetividade, ela se apresenta em forma de ansiedade perturbadora, que gera conflitos e insatisfações, logo seja atendida. Em tal caso, produz incerteza de prosseguir-se amado, após atendida a fome do contacto físico ou emocional. Enquanto se está presente, harmoniza-se, para logo ceder lugar à insegurança, à desconfiança. Assim sendo, o amor torna-se dependente e não plenificador. Transfere sempre para o ser amado as suas necessidades de segurança, exigindo receber a mesma dose de emoção, às vezes desordenada, que descarrega no ser elegido. Essa é uma exteriorização infantil de insatisfação afetiva, não complementada, que foi transferida para a idade adulta e prossegue insaciada.” [idem, p. 211]
Estes estados do ser são ainda geradores de sentimentos de ciúme e por vezes alimentados por uma autoestima baixa. Cabe a esses indivíduos cuidar do seu egoísmo, dos desejos de controle estimulados pelo ego adoecido. É ainda importante responsabilizarem-se por si mesmo, pelos seus atos, pela necessidade de compreender a distinção de bem-estar e felicidade.
Há diversas fantasias produzidas pela referida infantilidade, algumas delas alimentadas ou reforçadas culturalmente, tal como o casamento, nomeadamente quando este é equacionado como a busca do paraíso perdido. A felicidade na sociedade materialista é confundida com bem-estar, ou seja, do usufruto de prazeres, de coisas, da fuga à dor, ao sofrimento, à doença. Ou seja, é como que uma forma de satisfazer o ego.
Para muitos o casamento entra nessa equação, pois lançam nele responsabilidades de compensação emocional. O par passa a pessoa a quem se pede responsabilidades pela felicidade que se busca, pelo preenchimento de expectativas e do sonho dourado. É quem tem de completar aquilo que não estamos a ser capazes de pôr em nós a partir de nós próprios. Mas sendo a felicidade uma questão de postura existencial, ninguém pode entregar a felicidade ao outro. De facto, o casamento do ponto de vista psicológico e espiritual não serve para satisfazer as nossas necessidades egoístas, pois todos os processos de vida visam a individuação – o ser humano pleno e integrado [idem, p. 212].
E tal como em geral na vida, também no casamento a cooperação tem de ser o principal. Tudo é encontro, pelo qual se estabelecem as dinâmicas da vida e onde se reconhece que o encontro foi bom quando as potências de cada ser são fortalecidas e renovadas para melhor.
“o bom relacionamento é aquele que resulta do contacto que inspira, que emula e que proporciona bem-estar, sem conteúdos temerosos ou repulsivos, geradores de ansiedade e mal-estar” [idem, p. 213].
Assim, ao evoluirmos moralmente, compreenderemos como nos equilibrar, responsabilizar e agir com caridade, pelo que a solidariedade para com outros passará a ser uma constante. Os(As) companheiros(as) de trabalho passarão a ser cooperantes, as famílias serão mais unidas e os vizinhos parte dessa harmonia. Não haverá carência que não seja socorrida, ainda que cada um tenha de esgotar os seus débitos morais até ao último centil, mas jamais em condições de desamparo. Haverá sempre um sentimento reinante de acolhimento, de pertença, de gregário. Viveremos no respeito total dos direitos humanos e a cuidar do ambiente e de todos os seres da natureza (deveres humanos). Daremos acesso equitativo a recursos e oportunidades, sejam eles de alimentação, saúde, educação, emprego, cultura, desenvolvimento espiritual, ou outros.
Ao evoluirmos moralmente também evoluímos as capacidades intelectivas, pelo que se tornará mais fácil compreender o Evangelho de Jesus e, assim, o amor como propulsor do sentido da vida. E seguindo esta máxima, todos se preocuparão com o outro, pelo que haverá mais inteligência disponível em favor de cada um. Isto mesmo é o contrário do viver do egoísta que se preocupa somente consigo mesmo. Compreender-se-á então que a riqueza é um bem, mas que com ela há responsabilidades maiores para com os outros. A ciência não será apenas materialista, pois terá compreendido o ser como um todo, pelo que a análise espiritual passará a fazer parte da equação.
Por fim, num contexto de maior evolução espiritual já não estaremos a viver numa realidade de expiação e provas tão difícil, pois já teremos superado a ignorância que impede a perceção natural da realidade espiritual que nos envolve. Viver-se-ão efeitos associados a causas mais inteligentes e de bondade. Também entenderemos que morrer é voltar, e não partir, pelo que todos agiremos com maior responsabilidade precavendo-nos dos seus efeitos, os que não se esgotam com a morte do corpo.
Somos espíritos (eternos) num corpo (efémero, transitório), em que a evolução do ser humano depende do seu próprio esforço (vontade e livre-arbítrio). Compreenderemos, por conseguinte, que a religião (na perspetiva moral e de ligação natural a Deus) e a ciência são áreas de saber em que uma e outra se completam para explicar a realidade. Compreenderemos que religião e religiões não são a mesma coisa. Enquanto uma se refere ao Deus que fez o Homem, a outra ainda é, para muitos, a representação de Deus feita pelo Homem.
Afinal a afirmativa “o futuro a Deus pertence” pode não ser exatamente assim, pois é do esforço de cada um que resulta o futuro. Não há determinismo, embora seja Deus que pondera como vai ser esse futuro a partir do que construímos em nós e pelos outros. Deus determina quais são as provas e expiações a serem vivenciadas a cada reencarnação no respaldo das Suas leis, tal como a Lei de Causa e Efeito. Neste sentido, poderá ser impreciso ponderar se Deus é bom ou mau, mas sabemos pelas Suas leis que é justo. Leis que tardam a ser assimiladas e compreendidas para que finalmente se possa viver com mais felicidade. Em suma, a felicidade sentida por cada um tem a dimensão dos seus afetos positivos diários, do amor que partilha e da forma como vigia e usa o seu pensamento e expande a sua realidade a partir do seu Self.
Referências
[1] Recuperado de: https://www.youtube.com/watch?v=KIp3rHn3PiI.
[2] FRANCO, Divaldo, pelo Espírito Joanna de Ângelis, Refletindo a Alma: A Psicologia Espírita de Joanna de Ângelis, LEAL, 4ª edição, 2016.