Ante as mulheres que o choravam na via dolorosa, Jesus advertiu: “Filhas de Jerusalém: não choreis por mim, mas chorai por vós mesmas e por vossos filhos…“
(Allan Kardec, “A Génese”, capítulo XVII, item 19) [1]
A explicação Espírita acrescenta ao conhecimento da ciência o facto de já termos vivido antes, pelo que há efeitos face a causas pretéritas que o espírito reencarnado vivencia. Esses efeitos refletem-se por vezes na diferença, tal como sucede com o autismo. Na visão Espírita o autismo é uma limitação imposta ao espírito do indivíduo que lhe restringe o campo de relacionamento com aqueles e aquilo que o rodeia. Porém, isso não impede que o indivíduo (o seu espírito) receba as manifestações de afeto, amor e carinho que lhe sejam endereçadas, pois sente-lhes as vibrações. E é esta a chave da sua recuperação face à enfermidade que lhe causa a diferença.
Divaldo Pereira Franco, renomado divulgador e médium Espírita, refere sobre este assunto que “somos herdeiros dos próprios atos”, pelo que hoje somos à dimensão do que soubemos fazer em vidas passadas. De facto, hoje podemos estar a viver a partir de condições particulares e condicionados fisicamente, mas estas sempre encerram um propósito, que é o de levar o indivíduo (o seu espírito) a aprender e a corrigir tendências que lhe são lesivas à evolução moral.
As quedas humanas são morais. A evolução intelectual, quando não respaldada no comportamento ético-moral, pode gerar atos mais ao menos graves contra o próprio ou em desfavor de outros. Este é um combate dentro de nós e o campo de batalha é o nosso ego que se manifesta por meio do egoísmo e do orgulho. Quando estes vencem e o comportamento leva à queda moral regista no inconsciente do indivíduo (na vivência daquele espírito) uma cicatriz. Como refere Divaldo, esta é, por vezes, refletida em sentimentos geradoras de debilidade, sendo, por exemplo, o caso em que o espírito pelas “culpas conscientes ou inconscientes, de acordo com o grau, renasce [reencarna] com alguma deficiência no mapa genético, dando lugar ao distúrbio da depressão, da esquizofrenia, do autismo ou das enfermidades físicas degenerativas”.
Mas nenhuma das diferenças com que se possa nascer, relativamente ao que é considerado um estado de saúde, é um castigo. Deus, que criou a lei que governa a vida que conhecemos, nomeadamente a Lei de Causa e Efeito, que impende sobre a existência e evolução do Espírito, permite-nos reencarnar sem que nos possamos comprometer mais do que já o fizemos – quando é a queda moral o compromisso em questão –, e pela qual há o claro desviar da esperada evolução. Por isso se (re)nasce com a diferença que nos vai poder corrigir por via do amor. Todos os envolvidos, família, amigos, terapeutas, e em particular o indivíduo portador da diferença, acabam por estar ligados por laços do mesmo compromisso. E no caso do autismo sabe-se que por vezes o sofrimento dos pais é superior ao da criança autista, pois o obstáculo emocional vivenciado por esta não lhe permite acomodar a dor tal como os demais a sentem, todavia, perceciona todas as manifestações de amor que lhes sejam dirigidas. Este amor é-lhe curador e auxiliar à correção da cicatriz que o seu consciente ou inconsciente transporta.
A cada encarnação o indivíduo adiciona conquistas e prejuízos à sua contabilidade evolutiva. Quando os débitos morais ganham preponderância pode surgir o momento de, por via de uma nova encarnação, as condições de vida no corpo procurem corrigir aquilo que a vontade (própria) daquele espírito, nas vidas anteriores, já não lhe permitiam alcançar. Pode então suceder que aqueles débitos morais surjam numa vivência sob a injunção dolorosa de fenómenos expiatórios, tal como sucede com o autismo. Aquele espírito tem assim uma oportunidade, não um castigo, para que pela via do amor expresso pelos seus pais e pela aprendizagem, que vai readquirir, possa vir a renascer, em vida futura (após a que vive portador da diferença) totalmente recuperado, mas também, quiçá, alcançar bem-estar, ainda, na sua vida presente. Neste sentido, todos os esforços em torno do portador da diferença são um contributo que de todo o modo vão mitigar essa diferença resgantando o espírito das suas dificuldades.
São diversas as causas do autismo, porém, não são as três que se apontam de seguida aquelas que representam o todo, pelo que são, aqui, expressas, como forma de se entender possíveis causas. Isto, para que se saiba imprimir amor em favor destes seres endividados consigo mesmo (como todos nós, afinal, ainda que em nuances distintas).
Uma das causas ocorre, por exemplo, do facto do espírito que desencarnou numa vida pretérita o ter feito por via do suicídio. Estes indivíduos, com o desejo de escaparem à responsabilidade dos seus próprios atos, buscam, por vezes, a porta da autodestruição. Com o reencarne deparam-se com o drama de consciência, pois, ainda que o corpo seja outro, o espírito mantém o seu fio condutor evolutivo, pelo que o registo de consciência face a causas do passado pode levá-lo ao sentimento de culpa, e, eventualmente, a novas tentativas de autodestruição. É por esta razão que o nascimento é permitido, mas de forma condicionada, para sua própria proteção, de si mesmo, e, enquanto tal, vivenciar a oportunidade de fortalecimento pelos laços de amor que vai poder receber no novo seio familiar.
Uma outra causa possível para o autismo deriva de comportamentos criminosos (de vida passada) não chancelados pela justiça humana. E como não há forma de se escapar à justiça das leis morais que regem a vida (lei de causa e efeito) e por que estas são em favor da recuperação, a diferença a que se vai estar sujeito na vivencia presente servirá de escola pelo período que o indivíduo (o espírito) precise. Vai assim poder reequacionar a tendência de comportamento, e, simultaneamente, receber o amor que lhe faltou no coração quando se decidiu pela queda moral (no seu passado espiritual).
Outra das causas tem origem em comportamentos que procuraram na vida pretérita dissimular as próprias tragédias morais e sociais. Quando retornados à Terra estes espíritos procuram esconder-se dessa consciência por meio das várias patologias conhecidas dos fenómenos esquizofrénicos. Esta é uma fase transitória para o espírito, mas muito importante com vista à sua recuperação moral e vivência expiatória.
Aos pais de crianças autistas aconselha-se a paciência e o amor, sendo uma prática recomendável o diálogo amoroso (com o espírito da criança imaginando-o à escuta, porque está) nos instantes da queda no sono aquando da hora do deitar da criança. Os sentimentos empregues nessa conversa são captados pelo inconsciente servindo-lhe de terapia. Sugere-se que se fale pausadamente transmitindo serenidade, amor e segurança. Pode-se dizer, por exemplo: estamos contentes por estares entre nós, tens muito que fazer na Terra, vais ser feliz nesta vida, nós te amamos muito e sempre te protegeremos…
Estes e outros casos são desafios muito grandes para os pais. São-no ainda para o espírito reencarnado naquela condição. Dado isto há pelo menos duas ilações a retirar deste contexto. Primeiro, o indivíduo autista tem no amor dos pais e de todos aqueles que o rodeiam a fórmula para a cura dos seus problemas de consciência (espiritual). Através do amor recebido vai reaprender as emoções, vai querer viver e vai compreender a sua vida no corpo. Assim, quando este espírito regressar ao plano espiritual irá curado, pois será apagada da sua consciência a marca que atormentava o seu percurso evolutivo. Neste sentido, o autista vive uma oportunidade e os pais, que são o elo fulcral para o seu futuro de paz, também.
A segunda ilação é sobre o porvir. Tal como o autista pode recuperar de erros do passado, nomeadamente pelo contexto de amor em que agora se vê envolvido, também os pais trabalham a sua missão de profundo amor e redenção face à prova e eventuais ligações ao que possa ter estado na origem da queda moral pretérita do espírito moralmente endividado.
Reflitamos, pois, sobre como viver o hoje para evitarmos ser o autista de amanhã. Mantenhamo-nos vigilantes sobre o nosso comportamento, mas também daqueles que nos são próximos. Vigiemos pensamento e sentimentos e dialoguemos (orando, limpando o mental, buscando paz íntima) para que haja alento e sintonia com quem nos pode instruir e inspirar. Importa que seja o amor o principal foco dos nossos pensamentos e ações.
A dor tem uma causa: nós. Ela não é uma fatalidade, ou obra de um destino castigador, mas sim das nossas ações. Se aprendermos a agir de acordo com os ensinamentos de Jesus (que se referem às consequências morais das nossas ações terrenas) saberemos resistir ao desalento face aos obstáculos. Saberemos resolver problemas com fé, ou seja, compreendendo que tudo tem um propósito bom, pelo que se o percurso nos faz atravessar dificuldades, a compreensão do propósito ajuda-nos a viver essa dificuldade com outra perspetiva. E assim, assumiremos as responsabilidades face ao erro (mesmo que seja de um passado do qual não temos memória – vidas passadas). Saberemos renunciar face ao que nos saberia bem para ajudar outros. Se ganharmos as ferramentas que nos permitem viver a dor como uma oportunidade, estaremos mais preparados para lidar com a mudança, a nossa, que nos liberta das sombras íntimas que nos atrasam – o medo, o egoísmo, o orgulho, a preguiça. Tudo isto pode ser vivenciado fortemente no lar com um ente querido portador de autismo.
Jesus ao falar do porvir alertava sobre a ligação entre causa e efeito no decurso das nossas reencarnações [2]. Por esta razão, quando dizia àquelas mulheres “não choreis por mim, mas chorai por vós mesmas” referia-se ao trabalho que cada um tem pela frente consigo mesmo. Se Jesus sofria, era porque nós – humanos, no estado de evolução em que nos encontrávamos (e vamos encontrando), ainda representamos atraso. O atraso que permitiu que Jesus fosse crucificado e que hoje faz com que muitos ainda desconheçam as razões da sua encarnação (há 2.000 anos). Muitos confundem-no com Deus, outros mistificam os ditos milagres e muitos não sabem que a Verdade a que se referia se baseava no facto de sermos seres espirituais. Ser (espiritual, que somos) que após a morte do corpo regressa ao plano espiritual. E, depois, para nascer de novo, vivenciando mais uma etapa de aprendizagem e evolução. Uma evolução que tem o fundamento de nos desenvolver intelectualmente, mas sobretudo moralmente.
Talvez seja por isto que se diz que Jesus foi o único que veio do futuro, pois na esfera terrestre é o único a ter completado o processo de evolução que vamos construindo a cada nascer de novo. Jesus é, assim, o único a ter consciência e conhecimento desse porvir (para nós), pois veio de lá para nos esclarecer sobre o caminho a percorrer. Por isso não é a “Ele” que temos de seguir, mas sim a mensagem que nos trouxe. E isto faz toda a diferença. Pois cada um e independentemente da sua base religiosa ou ponto de partida sociocultural pode fazer o bem a si e aos outros, de forma raciocinada, em suma, pode centrar-se na solução das suas próprias dores e das dores dos seus entes queridos.
Sobretudo, fazer isto mantendo uma fé raciocinada sobre os resultados dos seus esforços a partir da parte em que está, pois sabe que conta com o auxílio do todo (divino) ao qual pertence. E mesmo que esse todo não esteja ao alcance do que vê – a sua fé ajuda-o a construir um racional lógico no seu íntimo, pelo que a falta de peças – evidências materiais – nesse puzzle, não o impede de compreender a vida por esse prisma.
Referências
[1] KARDEC, Allan, A Génese, HELLIL. 1ª edição, 2018.