Difusão de Inovação pelo Testemunho Espírita

 

Jesus respondendo a Pilatos disse: “Eu não nasci nem vim a este mundo senão para dar testemunho da verdade; todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”

(João, cap. XVIII, 33-37)

No diálogo com Pilatos, Jesus refere-se à Verdade sobre a continuidade da vida. Uma verdade que o Espiritismo vem esclarecer no contexto da reencarnação. O testemunho de Jesus é esse, o da vida eterna do espírito. Naquele tempo muitos o creram e o seguiram, aceitando a novidade. Mas muitos outros não o entenderam, pois acharam a mensagem demasiado nova, e rejeitaram-na. E entre esses poderiam ter estado alguns de nós. Hoje já compreendemos e damos o testemunho da novidade, outros continuam a caminho, preferindo a incredulidade ao esforço de compreensão, da Boa Nova. Jesus sabia das dificuldades que enfrentava e da caminhada de esclarecimento sobre a Verdade. Talvez por isso tenha preparado 12 apóstolos para que a partir deles a Boa Nova pudesse fazer a viagem de mais de 2 000 anos, e a continuar, agora, com mais dados, testemunhos vivenciados e a ciência da mediunidade. E como é que isto se deu? Deu-se por consequência das leis de difusão da novidade (da inovação) em estruturas sociais baseadas em ligações de laços fracos. Um fenómeno que a ciência trataria no século XX, mas que afinal já tinha sido usado por Jesus para nos fazer evoluir ao longo das inúmeras reencarnações pelas quais já passámos. A novidade da Boa Nova, o Evangelho, é a inovação (social, espiritual e moral) mais disruptiva da Terra. Em ciência define-se inovação como sendo “uma ideia, prática ou objeto que é percebido como novo por um indivíduo ou por outra unidade de adoção“ [1]. E difusão define-se como sendo um “processo pelo qual uma inovação é comunicada através de certos canais ao longo do tempo por membros de um sistema social” [idem]. Se analisarmos a difusão da Boa Nova à luz da ciência percebemos duas coisas. Uma é o contributo do efeito de novidade para o sucesso da difusão da mensagem (a Boa Nova). A outra é a relação entre o tipo de laço de ligação entre as pessoas, recetoras e distribuidoras da mensagem, e o efeito produzido na difusão da novidade. Refletimos neste texto sobre isto e sua relação com a forma como a Boa Nova não se deixou esmagar pelos poderes despóticos de 300 anos de perseguição aos Cristão, e, tendo esta chegado aos nossos dias, como é que esta continua a fazer o seu caminho. Um caminho a ser feito até que mais de nós se sinta comprometido e não apenas envolvido, na novidade. A novidade: Boa Nova O arrojo doutrinário de Jesus foi fortemente rechaçado pelos poderes territoriais vigentes. Por um lado, os romanos, esclavagistas, orgulhosos e que consideravam César o único acima do Homem. Razões suficientes para encararem a ideia de Jesus de igualdade e de um Deus único acima de todos, como uma afronta. Por outro, judeus fariseus, seguidores da Lei de Moisés, que criam no Deus vingador, em vez do Deus amor, tal como esclarecido por Jesus. Sim, a mensagem da Boa Nova era novidade e fraturante. A Boa Nova, tal como hoje para muitos ainda o é, foi uma inovação para a sua época, tanto ao nível do conteúdo como da forma. Ao nível do conteúdo afirmava a esperança, a igualdade, o amor e a vida eterna como caminho a que todos tinham direito. E ao nível da forma introduzia a caridade, a compaixão e a empatia como formas de estar. Os que escutavam as palestras de Jesus e o seguiam acreditavam na sua mensagem, sentiam-na como verdadeira, pelo que o passa-palavra (a difusão) da mensagem acontecia a partir desses interlocutores. Após a condenação de Jesus, coube aos apóstolos levar a novidade a novas paragens reativando a difusão da Boa Nova. Estrutura social: Laços fracos e fortes A ciência explica que as relações de proximidade ou afastamento entre as pessoas condiciona a forma como a informação circula entre estas. Pessoas próximas, como familiares e amigos, podem-se designar por laços fortes (i.e., pessoas que se conhecem intimamente e que estão frequentemente umas com as outras). Diz a ciência que entre estes a inovação e a novidade tem dificuldade de propagação, pois o fechamento comunicacional entre si dificulta a penetração de novas perspetivas. Em suma, a exposição à novidade e ao efeito surpresa é neste caso muito reduzida, pelo que neste contexto se perpetua a conformidade e a semelhança de pontos de vista. O contrário sucede com os laços fracos. Estes são formados entre pessoas que raramente contactam entre si (i.e., conhecidos, amigos dos amigos e pessoas que raramente se comunicavam). Estes laços funcionam como “pontes” conduzindo a informação entre diferentes grupos, que, por sua vez, tendo outros indivíduos com as mesmas características fazem circular a novidade para outros grupos de pessoas [2]. São estas pessoas que alimentam o designado fenómeno da difusão de novidade [idem]. A perseguição e condenação dos primeiros Cristãos só terminaria com Constantino I, no início do século IV [3], após o concílio de Niceia. Mas os primeiros 300 anos após a morte de Jesus até ao concílio de Niceia foram séculos de terror. Nesse período era necessário esconder as convicções sobre a nova fé, pois temia-se a denúncia junto das autoridades romanas ou dos sacerdotes dos sinédrios (judeus fariseus). Nesse ambiente as partilhas sobre a Boa Nova davam-se entre os que se reuniam nas palestras e em círculos muito restritos. Um facto que pode ter influenciado a formação da estrutura comunicacional que serviria de base à difusão da novidade. Difusão de novidade: Boa Nova Ora, parece que a estrutura de laços fracos formado pela rede dos primeiros Cristãos terá contribuído para o efeito difusor da Boa Nova. Afinal, Deus quer, o ser humano faz, mas tudo sucede pelas leis que a ciência cedo ou tarde explica, pois são leis de Deus, não do ser humano. A ciência fá-lo a partir das evidências das vivências mundanas, mas há muito mais para onde se olhar. Tal como a ciência veio a provar, a propagação de uma dada mensagem está fortemente relacionada com o tipo de laço formado (i.e., forte ou fraco) entre as pessoas pelas quais a informação viaja (se propaga). E sendo de laços fracos a estrutura formada entre os primeiros Cristãos, a comunicação da novidade (da Boa Nova) e a preservação da nova perspetiva foi assegurada. Como tal, tornou-se difícil de controlar e de esmagar pelos poderes despóticos da época. Isto, até que Constantino I a adota “romanizando-a”, com todas as distorções que conhecemos hoje. O Cristianismo seria tomado como religião oficial de Roma. A mensagem de Jesus é enviesada à conveniência dos religiosos da altura e nunca mais recuperaria a sua formulação original. Razão pela qual surge o Espiritismo, proposto pelos Espíritos sobre o comando do Espírito da Verdade (tal como explicado por Kardec nas suas obras), pois a Verdade inclui a nossa realidade espiritual que nos mantém em evolução, e responsáveis por isso, em vidas sucessivas. Difusão da Boa Nova pela mensagem Espírita: reencarnação No contexto da mensagem espírita e para que esta se propague como novidade, esta tem de reunir essas condições. Se por um lado a reencarnação é para a maior parte das pessoas informação nova, a par da comunicabilidade dos espíritos e da intervenção dos espíritos na vida quotidiana dos terrenos (Parte Segunda, cap. IX, questão 459) [4]. Por outro, importa comunicá-la de forma simples e rigorosa. A pessoa que o faça tem de estar devidamente respaldada no cariz da ciência da mediunidade e na clarividência das explicações do Evangelho (a Boa Nova), esclarecida pelos Espíritos na publicação de Allan Kardec “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. Por outro lado, o sistema social de propagação da mensagem deve assentar em ligações de laços fracos, ou seja, tem de fluir para lá do círculo da Casa Espírita. Como? Pelo testemunho dos que tomam contacto com a mensagem e pelo seu comportamento, primeiro, em favor da transformação íntima, e, depois, para com os outros. E se foi a Verdade e o amor que motivou os primeiros Cristãos a assimilar a novidade e à difusão da mensagem, então o foco dos que com ela (voltam) a ter contacto deverá ser semelhante. Por um lado, pela divulgação dessa Verdade, a da vida espiritual. E os instrumentos estão disponíveis, seja pelas palestras públicas na Casa espírita, Internet, literatura espírita e pela divulgação de conhecimento. Por outro, pelo amor, através do consolo prestado nas salas de trabalho mediúnico na Casa Espírita, na ação quotidiana, no testemunho de todos que contactam com a realidade espiritual nas suas vidas – e não são apenas os espíritas, ou quem visita a Casa Espírita. Todos são chamados a formar a rede de difusão (de laços fracos) que farão a gradual, mas segura, transmissão da novidade sobre a continuidade da vida e das responsabilidades acometidas ao viver, com amor.  

Referências

[1] Rogers, E., M. (1983). Diffusion of Innovation. Third edition. New York: Free Press. [2]Granovetter, M.S. (1973). The strength of weak ties. American Journal of Sociology, vol. 78, Nº 6, pp. 1360 – 1380. [3] Recuperado de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Persegui%C3%A7%C3%A3o_aos_crist%C3%A3os. [4] KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos, Hellil, 2017.
Título: O Livro dos Espíritos