“Ciência profunda, imensa, da qual apenas soletrais as primeiras palavras. E que de luzes leva aos homens de boa vontade, aos que, libertando-se das terríveis cadelas do orgulho, altamente proclamam a sua crença em Deus! Homens, orai, rendei graças por tantos benefícios. Pobre Humanidade! Ah! Se te fora dado compreender!… Mas não, que o tempo não é chegado ainda, no qual a misericórdia do Senhor deve estender-se por sobre todos os homens, a fim de lhe reconhecerem as vontades e a elas se submeterem. Por teus raios luminosos, ciência bendita, é que eles lá chegarão e compreenderão.” (a)
(O Céu e o Inferno, Allan Kardec, cap. II, segunda parte)
(a) Comunicação do Espírito Costeau, conhecido membro da sociedade espírita parisiense em 1863, no momento da sua sepultura, agradecendo a presença dos que ali se encontravam e rejubilando sobre o conhecimento trazido pelo Espiritismo.
De forma crescente vamos encontrando pessoas interessadas em saber mais sobre si mesmo, sobre o que são para lá do seu corpo finito. E será que há algo mais para lá do corpo físico?
É sabido que independentemente da convicção religiosa, ou da falta dela, há uma ideia generalizada sobre a existência da alma, ou do espírito, ou de uma energia que está para lá da realidade material. É exemplo disso o número crescente de interessados em novas formas de acesso a mais autoconhecimento, a se interrogarem, ou a se religarem. E a que pretendem religar-se estas pessoas?
As pessoas sentem uma profunda necessidade de encontrar um equilíbrio que lhes escapa. Somos constantemente sugestionados a dar atenção ao que nos é externo, mas que por norma não nos é nutritivo. É uma azafama que pouco serena ou alimenta o bem-estar individual.
Jesus, quando na Terra, explicou a forma como funcionamos enquanto seres humanos. Contudo, tal como hoje e desde aquele tempo, muitos de nós continuamos centrados em nós e escravos de algum orgulho e egoísmo, que ainda nos domina. Aprendermos a raciocinar sobre os nossos pensamentos e comportamento, que por vezes refletem o que criticamos noutras pessoas, é um dos aspetos relevantes do Espiritismo enquanto instrumento de instrução íntima.
Em Outubro 1999, em Viseu, no sétimo Congresso Nacional Espírita, o reconhecido palestrante e médium Divaldo Pereira Franco referiu que a “doutrina espírita, no seu aspeto de ciência, na sua expressão ampla de filosofia e na sua ética moral de consequências religiosas” atende às necessidades do Homem (do ser humano) de se esclarecer. Neste sentido, “o Espiritismo não se impõe, concilia e acrescenta bases de conhecimento para os domínios da ciência da filosofia e da religião tornando-se ainda o credo que une” [2].
Também é de notar o que foi referido por Alan Kardec num discurso proferido em dezembro de 1868 sobre o que é o Espiritismo, nomeadamente a partir de uma perspetiva religiosa – de religação a Deus, de compreensão sobre a Sua existência, e a partir das leis morais que regem a vida do Espírito:
“(…) Crer num Deus Todo-Poderoso, soberanamente justo e bom;
crer na alma e em sua imortalidade; na preexistência da alma como única justificação do presente; na pluralidade das existências como meio de expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral; na perfectibilidade dos seres mais imperfeitos; na felicidade crescente com a perfeição; na equitativa remuneração do bem e do mal, segundo o princípio: a cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem excepções, favores nem privilégios para nenhuma criatura; na duração da expiação limitada à da imperfeição; no livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal;
crer na continuidade das relações entre o mundo visível e o mundo invisível; na solidariedade que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados; considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterno;
aceitar corajosamente as provações, em vista de um futuro mais invejável que o presente; praticar a caridade em pensamentos, em palavras e obras na mais larga acepção do termo; esforçar-se cada dia para ser melhor que na véspera, extirpando toda imperfeição de sua alma; submeter todas as crenças ao controle do livre-exame e da razão, e nada aceitar pela fé cega;
respeitar todas as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam, e não violentar a consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da Ciência, a revelação das leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis o Credo, a religião do Espiritismo, religião que pode conciliar-se com todos os cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus.” (idem)
Dito isto, será o Espiritismo uma religião?
Da leitura das cinco obras da codificação Espírita de Allan Kardec não se encontra uma única referência ao espiritismo enquanto religião ou doutrina que concorre com as religiões (ditas terrenas). Porém, o Espiritismo é religião, mas pelo facto de explicitar a religação (natural) entre o Espírito (cada um e nós) e Deus, Seu criador.
Compreender isto é resolver a questão de conceito sobre o que é o Espiritismo no seu aspeto religioso, mas também é sair da ignorância sobre como funciona a vida. É ainda conhecer as leis que gerem a vida no seu todo, ou seja do ser espiritual que somos, e raciocinar sobre as responsabilidades da vida corpórea, a sua transitoriedade e consequente advir. Compreender isto é alinhar o nosso Eu maior (o Self) com o significado da vida pelas ferramentas de autoconhecimento.
O Espiritismo alcança quem procura instruir-se e amar o próximo, mas também quem quer entender e corrigir os desvios morais do seu «eu» (ego). Alcança igualmente os que procuram a verdade sobre o funcionamento da vida usando a razão e os ensinamentos de Jesus, e, sobretudo, alcança quem carece de consolo e se encontra em estado (entendimento) de o receber — os que sofrem pelas ditas dores da alma, como por exemplo, os que buscam dominar o seu egoísmo, o orgulho.
O estudo do Espiritismo alcança o âmago de cada um (não um coletivo, pois não se trata de juntar adeptos) e, principalmente, os que querem perceber o sentido de “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei” [3]. As suas instruções visam o próprio (o autoconhecimento) e o comportamento em favor do próximo pela ação indulgente de caridade e solidariedade (consolar). Isto, sem julgamentos sobre o outro, sem impor a mudança ao outro, sem se “doutrinar” o outro. Em síntese, lidar como o conhecimento Espírita deve ser tal como lidar com as instruções de emergência num avião. Estas referem que o auxílio a prestar aos outros, nomeadamente aos próprios filhos, só deve acontecer depois da pessoa colocar a sua própria máscara de oxigénio.
Referências
[1] KARDEC, Allan, O Céu e o Inferno, 1ª edição, Hellil, 2020.
[2] Recuperado de http://ipeak.net/site/estudo_janela_conteudo.php?origem=6250&idioma=1.
[3] Recuperado de http://www.oespiritismo.com.br/oque/.
TEIXEIRA, Raúl, Caminhos para o amor e a paz, Editora Fráter / FEP, 2020.