Genialidade: Intuição ou Inspiração

 

Hoje há quem refira que vivemos na era conceptual, a do pensamento «mosaico», mais adaptada ao virtual e ao transcendente. Tim Berners-Lee, enquanto engenheiro da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) forjou a do mundo Web, dando corpo à era dos sistemas de computação. Berners-Lee viu antes de todos. Fernando Pessoa, pela sua mediunidade (a que chamam heteronomia), também via, e por ele se comunicaram. Inspiração, genialidade ou ambas?

 

Na década de 80 o investigador inglês Tim Berners-Lee [1] questionou-se sobre como gerir informação dispersa e tratar o conhecimento de uma comunidade de investigadores em permanente rotação – investigadores do CERN. Apesar dos resultados alcançados, o seu trabalho não teve grande acolhimento junto dos seus pares. Berners-Lee não desistiu, pelo que continuou por iniciativa própria.

Em finais dos anos 90 Berners-Lee conclui o primeiro Web browser, designado por World Wide Web. Dois anos mais tarde Marc Andreesen e um grupo de estudantes da universidade de Illinois (EUA) adaptam o browser de Berners-Lee para Mac e PC. Em 1993 e após distribuição mundial via Internet, numa versão do browser MOSAIC, a World Wide Web torna-se num meio de massas. Estava desenhada a era dos sistemas de computação.

A problemática vivida no CERN foi o mote para que Berners-Lee desenhasse a Web que conhecemos hoje. Ele viu antes de muitos, fez primeiro que todos e antecipou-se na compreensão do valor da anotação de documentos pelos utilizadores e na interligação desses documentos a partir de uma infraestrutura de dados para pesquisas de informação via Internet. Mais, compreendeu o potencial da incorporação de som e imagem antevendo uma Web abraçada pela multimédia.

O seu legado manteve-se até hoje. O que viu (intuiu) foi o que se fez. O que não viu não foi preciso, até que uma nova era se iniciasse. No limite da sua visão estava o fim da era dos sistemas de computação, esta associada a um certo cartesianismo, a do pensamento linear – mecanicista. Na etapa que se seguiu, a que se vive no arranque do novo milénio, a designada era conceptual (high touche high concept) [2], a construção mental passa a recair sobre a capacidade do pensamento abstrato, o qual, a par do que é a navegação na Internet, acontece como um mosaico de ligações imagéticas pelo qual o pensamento vai sendo construído. Ao iniciar essa viagem, a partir do hipertexto – o sistema de texto não linear, Berners-Lee contribui para a criação do arquétipo de conhecimento que viria a fundamentar vinte anos de evolução da Internet pela interação, virtualização e fomento da tendência para o pensamento «mosaico».

Berners-Lee quando refletiu sobre o que deveria ser um sistema de gestão de conhecimento fê-lo à luz da evolução tecnológica, mas desconhecendo, naturalmente, que esses instrumentos tecnológicos estariam alinhados com a mudança da capacidade de abstração do utilizador contemporâneo. Também não poderia imaginar que o seu trabalho poderia servir de “ferramenta” para a construção dessa nova forma de pensar, pela qual se capacitaria a associação de ideias e a lide com o intangível – o virtual (no contexto Web) e o espiritual (no contexto espírita).

Neste sentido, como é que Berners-Lee e antes de todos, viu a grande oportunidade de evolução tecnológica? E como é que tudo isto converge para um mapa mental que nos capacita para melhor lidarmos com o intangível? Será isto inspiração, genialidade ou ambas?

A vivência terrena é uma extensão da realidade espiritual que nos envolve sendo a primeira um meio para vários fins, nomeadamente para o próprio desenvolvimento espiritual do ser humano. A nível individual, cada um vive o seu conjunto de provas e expiações com o propósito de evoluir. E neste percurso todos contam com o apoio e guarida do seu guia espiritual (o chamado anjo da guarda), bem como de outros Espíritos que nos inspiram visando a obra de Deus, ou seja, a evolução das partes, e, por elas, do todo.

O guia espiritual é um espírito também em evolução, mas mais adiantado que o espírito encarnado (cada um de nós) que eles acompanham. Neste sentido, a inspiração é um processo apoiado pela intercedência espiritual. De facto, inúmeras vezes temos a sensação de sermos impelidos a fazer coisas, a ter ideias e a tomar decisões. Afinal, nada acontece por acaso, sendo muitas das sugestões recebidas pelo pensamento aquelas que nos levam a agir e a solucionar as nossas preocupações, tal como refere Léon Denis: esta é “uma das formas empregadas pelos habitantes do mundo espiritual para nos transmitir seus avisos, suas instruções” [3]. “É o recebimento espontâneo de ideias, pensamentos, concepções, provindo de Espíritos…” [4]

Além da inspiração, somos igualmente apoiados pela nossa intuição, cuja fonte de informação deriva dos conhecimentos adquiridos ao longo das nossas vidas sucessivas, tal como referido por Ney Lobo:

A intuição é instrumento de prospecção do fundo anímico do educando, das camadas sedimentares de perfeições e imperfeições acumuladas nas existências anteriores.” [5]

Contudo, para que estes aflorem espontaneamente, não é necessário que alguém nos transmita seja o que for, ainda que o acesso à nossa “biblioteca” informativa possa igualmente derivar do apoio dos espíritos.

Em “O Livro dos Espíritos”, questão 415, Kardec pergunta aos Espíritos sobre a utilidade das visitas durante o sono (o designado desdobramento), ao que os Espíritos responderam:

De ordinário, ao despertares, guardais a intuição desse facto, do qual se originam certas ideias que vos vêm espontaneamente, sem que possais explicar como vos acudiram. São ideias que adquiristes nessas confabulações.” (46ª edição, FEB, tradução de Guillon Ribeiro).

Pela intuição conseguimos mobilizar informação já assimilada e que deriva do trabalho pretérito associado ao comportamento e à aquisição de conhecimento. A esta pode-se somar a informação que nos chega pela inspiração e que permite o alcance de resultados ditos geniais. Sobre isto Léon Dinis refere no livro “Joana D’Arc, Médium” o seguinte:

Toda a filosofia da História se resume em duas palavras: a comunhão do visível e do invisível, que se exprime pela alta inspiração. Os homens de génio, os grandes poetas, os sábios, os artistas, os inventores célebres, todos são, no mundo, executores do plano divino, desse plano majestoso de evolução, que carrega a alma para os pináculos da vida universal.

De algumas vezes, as nobres Inteligências que presidem a essa evolução se humanizam para poderem exercer ação mais eficaz e mais direta. Tendes então Zoroastro, o Buda e, acima de todos, o Cristo. De outras, inspiram e sustentam os missionários encarregados de dar mais viva impulsão aos voos do pensamento. Moisés, São Paulo, Maomé e Lutero foram deste número. Mas, em todos os casos, a liberdade humana é respeitada. Daí os múltiplos entraves com que os grandes Espíritos topam no caminho.” [6, p. 68, 69].

Tal como refere Denis, em diferentes graus e mediante o adiantamento do espírito, a missão de alguns dos reencarnados é cumprir desígnios que contribuem para o bem geral, porém, é de salientar que tal não colide com o livre-arbítrio do indivíduo, por isso se refere acima que “a liberdade humana é respeitada.” Outros testemunhos sobre estes aspetos podem ser encontrados na obra de Denis [idem]:

Na França, também os filósofos foram visitados pelo Espírito: Pascal passava horas em êxtase; a RECHERCHE DE LA VÉRITÉ, de Malebranche, foi escrita em plena escuridão; e Descartes nos conta como, por súbita intuição, rápida qual relâmpago, concebeu a ideia da Doute Méthodique, sistema filosófico a que devemos a libertação do pensamento moderno. Nos seus ANNALES MÉDICO­PSYCHOLOGIQUES, diz Brierre de Boismont: “Descartes, ao cabo de longo repouso, era instado por invisível pessoa para continuar as pesquisas da verdade.” Schopenhauer, na Alemanha, igualmente reconhece haver sofrido a influência do Além: “Meus postulados filosóficos, diz ele, se produziram em mim sem que eu nisso interviesse, nos momentos em que tinha a vontade como que adormecida… Minha pessoa era também por assim dizer estranha à obra.”

Quase todos os poetas de renome gozaram de uma assistência invisível. Dentre eles, citemos unicamente Dante e Tasso, Schiller e Goethe, Pope {dizia Pope que escrevia sob a inspiração dos Espíritos. Suas obras encerram predições concernentes ao futuro da Inglaterra, algumas das quais já se realizaram, aguardando outras o momento da sua realização}, Shakespeare, Shelley, Camões, Victor Hugo, Lamartine, Alfred de Musset, etc. Entre os pintores e os músicos, Rafael, Mozart, Beethoven e outros encontrariam lugar aqui, pois que, sem cessar, a inspiração se derrama em abundantes jorros sobre a Humanidade.

Diz-se constantemente: «Estas ideias andam no ar.» Andam, com efeito, porque as almas do espaço as sugerem aos homens. É lá que se devem procurar as origens dos fortes movimentos de opinião em todos os domínios. Cumpre, pois, reconhecê-lo: o fenómeno da mediunidade enche todas as eras.

Toda a História se aclara pela luz. Aqui se concentra numa personalidade eminente e brilha com vivo fulgor: é o caso de Joana d’Arc. Ali se dissemina, repartida por grande número de intérpretes, como na época atual.” (p. 70, 71).

Como se verifica, o esforço individual a par da inspiração são o sustentáculo dos avanços pessoais e coletivos na Terra. Pelo que diríamos que Berners-Lee foi beneficiário da sua genialidade, pelo que intuiu, mas também da inspiração recebida, no que terá cumprido da obra de Deus. E que obra será essa neste contexto?

Especulando, diríamos que foi o desenvolvimento de ferramentas de ajuda à evolução do pensamento abstrato. Esta será uma estrutura mental mais favorável à apreensão das noções de espaço-tempo que estabelecem e explicam a relação entre reencarnação (vidas sucessivas em corpos distintos) e contínuo de tempo, durante o qual a evolução do espírito se vai perfazendo, dando-se assim sequência à Lei do Progresso. [7]

Estas noções, que talvez nos pareçam bastante vagas, são mais do foro conceptual (abstrato) do que do cartesiano (mecanicista), pelo que a compreensão adequada dos ensinamentos de Jesus sobre a continuidade da vida (pelo Espírito), dependerão fortemente do desenvolvimento daquela forma de pensamento. E correndo o risco de tentarmos fazer algum determinismo temporal, diríamos que a mudança no vigor do pensamento predominante terá tido início com o movimento romântico, em finais do séc. XVIII, por intermédio da irreverência do poeta inglês William Blake (1757-1827). Este movimento defendia uma visão interligada do todo, ao invés de um entendimento da realidade baseado nas partes – base de um pensamento mais mecanicista(sobre este assunto ver o texto neste site “Ciência e Espiritualidade”, relativo ao tema com a mesma designação). A par desta mudança, surge em meados do séc. XIX a codificação Espírita produzida por Allan Kardec, a partir das instruções dos Espíritos, pela qual se vai poder interpretar e estudar a realidade espiritual da qual fazemos parte.

Somos o que interpretamos a partir do somatório de aprendizagens cognitivas, ético-morais e comportamentais realizadas ao longo das vidas sucessivas do espírito no corpo. Sobre estas reflete-se a lei de causa e efeito visando-se a evolução de cada um mediante a sua capacidade de vivenciar as respetivas provas e expiações, a que se está sujeito por decorrência das respetivas escolhas (livre-arbítrio). E é a partir destas escolhas – do comportamento – que se estabelece a faixa vibratório com a qual são criadas as afinidades espirituais, ou seja, aquelas que são os instrumentos de apoio à inspiração. Os que mantêm o seu canal de comunicação numa faixa vibratória mais elevada alimentam pensamentos livres da inveja e ciúme (muito associados à agressividade), do mal dizer, do orgulho, da vaidade, do egoísmo, etc. Por via das suas ações valorosas, i.e., de amor, solidariedade, fraternidade, humildade, etc., mais facilmente vão escutar o seu guia espiritual e todos aqueles que positivamente atuam no desenvolvimento do indivíduo e, por ele, da sociedade, da Natureza, da Terra. Assim, pese embora as naturais agruras de percurso, as pessoas que persistem na busca de resultados de elevado valor, tal como os produzidos por Beners-Lee, alcançam, pois nunca estão sozinhas nos seus esforços.

Todavia, não nos iludamos. Seja pela fartura, pelo êxito, ou pela escassez, não há vantagens de uns em relação a outros, o propósito é a evolução, individual e do todo, combatendo-se o egoísmo, pelo que a participação nessa evolução não significa uma felicidade plena e imediata na Terra, ou seja, na materialidade das coisas, pois esta é passageira. A evolução espiritual é perene (eterna), mas a permanência na matéria e os ganhos materiais são passageiros.

E foi a isto que Fernando Pessoa foi chamado para dar o seu contributo, tal como tantos outros de semelhante envergadura, nomeadamente escritores, como Mário de Sá-Carneiro, mas que, como tantos outros indivíduos equivocados espiritualmente, faliu, pela porta do suicídio.

Tal como sucedia com Fernando Pessoa, também se dizia que Mário de Sá-Carneiro era fortemente inspirado na sua obra, dando azo à comunicação direta do plano espiritual por meio da psicografia.

De facto, os ditos heterónimos de Fernando Pessoa nunca o foram. Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares eram os espíritos que se designavam pelos seus próprios nomes. Estes, como dezenas de tantos outros comunicaram-se com o mundo terreno por intermédio de Pessoa.

E por que razão não fomos esclarecidos sobre este facto, por Pessoa?

Pelo preconceito da época sobre estes assuntos, que ainda são os de hoje. Sobretudo pelo medo de Fernando Pessoa perder o seu lugar na plêiada de escritores em que se queria afirmar.

Em carta ao escritor e editor da revista Presença, Casais Monteiro, de quem Pessoa temia a crítica, Pessoa explicou-se, porém, sem levantar todo o véu da verdade. De forma rebuscada atribui a sua mediunidade a “personalismos” e à sua imaginação, o que abriu a porta para boatos sobre o seu possível desequilíbrio, mas também para a inverdade sobre a origem dos textos atribuídos aos ditos heterónimos. A carta de Pessoa dirigida a Monteiro diz assim [8]:

Quando às vezes pensava na ordem de uma futura publicação de obras minhas, nunca um livro do género de «Mensagem» figurava em número um. Hesitava entre se deveria começar por um livro de versos grande — um livro de umas 350 páginas —, englobando as várias subpersonalidades de Fernando Pessoa ele mesmo, ou se deveria abrir com uma novela policiária, que ainda não consegui completar.”

Nesta carta continua dizendo mais sobre o que lhe acontecia, mas escondendo a realidade mediúnica que lhe era natural.

Passo agora a responder à sua pergunta sobre a génese dos meus heterónimos. Vou ver se consigo responder-lhe completamente.

Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos — felizmente para mim e para os outros — mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo —, os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher — na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas — cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem — e nos homens a histeria assume principalmente aspetos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…

Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronimismo. Vou agora fazer-lhe a história directa dos meus heterónimos. Começo por aqueles que morreram, e de alguns dos quais já me não lembro — os que jazem perdidos no passado remoto da minha infância quase esquecida.” [idem]

Pessoa lança desta forma a confusão, que ainda hoje persiste, sobre a verdade, sobre a naturalidade do fenómeno mediúnico e do processo de inspiração humana. Ao atribuir à histeria o que afinal era mediunidade esconde de todos a normalidade da comunicabilidade dos Espíritos. Ultraja-se sobre o processo direto de inspiração ao ser humano visando-se o bem terreno.

Pessoa estava devidamente esclarecido sobre a sua mediunidade, pois discutia-a frequentemente com o seu amigo Fernando Lacerda, funcionário na Polícia Administrativa de Lisboa e proeminente Espírita português (que vem a realizar obra notável no Brasil – sobre este assunto ver o texto deste site intitulado “Saber Sorrir”), mas também com a sua tia Anica [9], também ela Espírita e conhecedora da mediunidade. Uma das cartas de Pessoa à sua tia sobre este assunto diz o seguinte:

Vamos agora ao caso misterioso que a interessa e que a tia Anica diz não poder calcular o que seja. Sim, não calcula, decerto eu próprio é o que menos esperaria.

O facto é o seguinte. Aí por fins de Março (se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sessões semiespíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa, de noite, tendo vindo da Brasileira, quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa caneta e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei por o facto de que tinha sido esse impulso. No momento, não reparei no facto, tomei-o como o facto, natural em quem está distraído, de pegar numa pena para fazer rabiscos. Nessa primeira sessão comecei por a assinatura (bem conhecida de mim) «Manuel Gualdino da Cunha». Eu nem de longe estava pensando no tio Cunha. Depois escrevi mais umas cousas, sem relevo, nem interesse nem importância.

De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo. Mas raras vezes são «comunicações» compreensíveis. Certas frases percebem-se. E há sobretudo uma cousa curiosíssima — uma tendência irritante para me responder a perguntas com números; assim como há a tendência para desenhar. Não são desenhos de cousas, mas de sinais cabalísticos e maçónicos, símbolos do ocultismo e cousas assim que me perturbam um pouco. Não é nada que se pareça com a escrita automática da Tia Anica ou da Maria — uma narrativa, uma série de respostas em linguagem coerente. É assim mais imperfeito, mas muito mais misterioso. 

Devo dizer que o pretenso espírito do tio Cunha nunca mais se manifestou pela escrita (nem de outra maneira). As comunicações actuais são, por assim dizer, anónimas e sempre que pergunto «quem é que fala?» faz-me desenhos ou escreve-me números.”

Como tantos, Pessoa, génio escritor, era igualmente veículo da afirmação da realidade espiritual, não para surpreender, mas para ajudar a esclarecer sobre uma verdade que tarda em se sedimentar como instrumento de trabalho, pelo bem de todos. Pessoa, que vem a confessar o erro de não ter sabido participar devidamente nessa revelação por ter temido a sua exposição junto da comunidade literária e artística que integrava.

Constatamos isto no livro “No Vulcão dos Preconceitos”, pela psicografia de Arnaldo Costeira (*)[10]. Esta obra esclarece a posição de Fernando Pessoa, bem como de outras figuras intervenientes do seu tempo. Arnaldo Costeira fá-lo pelo auxílio dos próprios Espíritos, interlocutores nas páginas escritas. Compreendemos pelos testemunhos anunciados que embora a muitos caiba a missão de divulgação espiritual, nomeadamente pelo respaldar da genialidade, o preconceito ainda é um obstáculo difícil de eliminar. Há que enfrentá-lo! Mas, como? Pelas escolhas e força de vontade em perseguirmos a verdade. Pois, ainda que inspirados à ação, somos nós, individualmente, quem decide, bem ou mal.

Nem sempre é fácil usar o saber em favor do todo. Quando esse saber visa o desenvolvimento pela porta do que nos é tangível, tal como fez Burners-Lee, é mais fácil agir e ser-se louvado pelo mérito. Nestas circunstâncias ninguém questiona a fonte. Mas quando o convite à ação nos põe em confronto com as convicções vigentes, nomeadamente as religiosas e sociais, por vezes envoltas na sombra da ignorância dos tempos, tudo se complica. Foi o caso de Pessoa. Nestes contextos tememos a desaprovação, a segregação, o “escândalo”.

A realidade é única e está ao serviço de todos, porém, cada um usa os filtros que melhor lhe servem, a cada reencarnação, até que mais esclarecimento se vai alcançando. Ao longo da evolução vamos todos sendo convidados a agir, pelo que não percamos tempo, nem as oportunidades que nos são dadas.

Na realidade atual assumem particular relevo as palavras de Jesus: “muitos serão os chamados, mas poucos os escolhidos”. Esta ideia, juntamente com os esforços para a genialidade, deve humildar-nos face à dimensão do que na verdade é a nossa participação na obra genial. Deve igualmente encorajar-nos ao esforço para que nela participemos levando-nos a refletir sobre o facto de que nada do que é evoluído acontece em vão, ou para gozo individual. Somos parte de um todo e é para ele que participamos ao nascermos de novo. Por isso, todos contam, mas nem tudo fica revelado no período da sua existência terrena. Sejamos humildes e participemos com a nossa parte.

 

Nota:

(*) Um dos Capitães de Abril da Revolução de 1974 (comandou a coluna militar saída do Regime de Infantaria de Viseu), ex-Presidente da Federação Espírita Portuguesa e dirigente e cofundador da Associação Social Cultural e Espiritualista de Viseu.

 

Referências

[1] BERNERS-LEE, Tim, “Information Management: A Proposal” [1989], publicado no livro “Multimédia: From Wagner to Virtual Reality”.

[2] PINK, Daniel H., A Nova Inteligência. Oficina do Livro, 2008.

[3] DENIS, Léon, O Problema do Ser, do Destino e da Dor. p. 334 e 335, 4ª Ed., Rio de Janeiro, FEB, 1936.

[4] Dicionário Enciclopédico de Espiritismo, Metapsíquica e Parapsicologia. Ed. Bels. 1976, 3ª ed., João Teixeira de Paula.

[5] LOBO, Ney, Filosofia Espírita da Educação e suas consequências pedagógicas e administrativas. Vol. II, p. 8, 2ª Ed. Rio de Janeiro, FEB, 1993.

[6] DENIS, Léon, Joana D’Arc, Médium, 19ª edição, FEB, 1999.

Título: Joana D’Arc, Médium

[7] A Lei da Evolução. Recuperado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_da_evolu%C3%A7%C3%A3o.

[8] Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro. Recuperado de http://arquivopessoa.net/textos/3007.

[9] Carta de Fernando Pessoa à sua tia Anica. Recuperado de http://arquivopessoa.net/textos/531

[10] COSTEIRA, Arnaldo. No Vulcão dos Preconceitos, Editora Hellil, Viseu, 2013.

Título: No Vulcão dos preconceitos