Subconsciente: O passado no nosso presente

 

É a mente que torna bom o doente, que torna a pessoa desgraçada ou infeliz, rica ou pobre”

(Edmund Spenser, poeta inglês, séc. XVI)

A compreensão da mente e dos seus lugares consciente e subconsciente têm sido desde a antiguidade um dos maiores desafios do Homem. O termo sub(consciente) subentende que o consciente é o estado de normalidade. Este facto tem tido reflexos nas prioridades de estudo de um em relação ao outro, mas também a persistente dificuldade em se compreender, sem preconceitos, que somos um ser espiritual, por natureza, não por crença religiosa. Neste sentido, o estudo do subconsciente deveria ter maior prioridade na cátedra académica, ainda que se reconheçam as dificuldades de análise no contexto dos instrumentos convencionais de ciência.

“O subconsciente é a soma de todas as nossas vidas, o qual determina os nossos hábitos e os procedimentos automáticos que realizamos todos os dias.”(pelo Espírito André Luiz)

O investigador brasileiro João Queiroz refere neste âmbito que:

“Há uma explosão sem precedentes de estudos sobre consciência. Pesquisadores de muitas áreas — Computação, Etologia, Física e Matemática, Antropologia, Psicologia, Ciências e Neurociências Cognitivas, Filosofia, Linguística, etc. — Organizam simpósios, periódicos, volumes e antologias, sites e cursos sobre o tema. Este parece, entretanto, ser o objeto de convergência pluri e interdisciplinar que mais produz divergência na recente História das Ciências. Multiplicam-se questões sobre definições e demarcações conceptuais e terminológicas, sobre teorias, métodos, modelos, protocolos de investigação. Divergem, num mesmo departamento, visões gerais (general frameworks) sobre problemas básicos: como definir consciência?” [1].

Verifica-se, pois, que associado às dificuldades sobre o método de pesquisa há outros constrangimentos, o que também demonstra a nova era de questionamento sobre o que somos.

Na perspetiva da ciência, o consciente significa «consciência» do que nos rodeia, e o subconsciente a perceção de um estado mental quando a atenção não está focada em algo. Pode-se dizer que o subconsciente é o terreno ou «campo» da mente e a consciência é como o foco de uma lanterna apontada a um certo canto desse terreno. O inconsciente é o repositório de desejos, lembranças, sentidos instintivos que não podem ser acedidos facilmente, ou seja, que não podem ser transformados em “objetos mentais conscientes” (ex., um trauma de infância).

Na perspetiva do conhecimento Espírita, que afirma sermos seres espirituais a viver experiências num corpo físico, o inconsciente é o Espírito, vaso do conhecimento somado pela sua evolução ao longo de sucessivas reencarnações, estando a subconsciência e a consciência ao mesmo nível de relevância na caracterização humana. Neste âmbito, Otto A. Prado, na revista “Estudos Psíquicos”, referia em 1951 [2] que “O inconsciente é o lastro acumulado que se deve ir perdendo na ascensão espiritual.” É o “ato psíquico não deliberado proveniente da nossa anterior experiência orgânica, trófica ou vital”ou seja, relativa a uma vida passada.

 “se dizemos o ser inconsciente referimo-nos ao indivíduo organicamente considerado, a um aspeto intranscendente do seu psiquismo. Se falarmos do ser subconsciente referimo-nos ao espírito na sua função evolutiva, ao aspeto transcendente ou imanente do psiquismo.” [idem]

Sobre o subconsciente podemos dizer que “é o conhecimento que se acrescenta para aproveitamento ulterior [posterior].” [idem]

“O subconsciente é a compreensão de todos os conteúdos conscientes na larga trajetória do espírito durante o processo da sua evolução biológica e o seu evolver [evoluir] anímico; captação que regista e arquiva minuciosamente todos os pormenores de factos ocorridos, deixando como síntese um pensamento orientado, um ensino proveitoso para o ser.” [idem]

Porém, fomos sendo ensinados a não ver, o todo. A realidade que aprendemos a formular sobre nós próprios é a material, que descreve a vida a partir da existência finita do corpo físico. Mas o nosso subconsciente não nos permite deixar de ver, ou de sentir o que está em falta à nossa perceção. Ele assume um papel primordial na condução do nosso comportamento, pelo que impede que nos cinjamos ao que é consciente, tangível ou materialmente comprovável.

Cabe a cada um o estudo e a interpretação da realidade não material que o envolve. Uma interpretação que se vai fazendo pela predisposição para a aprendizagem que está para lá do que nos é óbvio e adquirido.

Posto isto, como interagir com a subconsciência no dia-a-dia?

Primeiro, a subconsciência não distingue a verdade da mentira, ou a realidade da imaginação. Assim, mudanças estruturais no íntimo de cada, só conduzem a melhorias se estas se refletirem na cura do ego “doente” (egoísta) para que no íntimo da pessoa se eleve o Self – que ajuda a clarificar o propósito de vida da pessoa. Quer isto dizer, os afetos e o significado das ações com sentimento e preocupação em relação ao bem-estar do outro (i.e., o melhoramento do ser empático e compassivo).

A subconsciência não encontra diferença entre o sim e o não. Um dos exemplos mais comuns deste aspeto refere-se à sugestão. Se sugerirmos a alguém para não pensar numa bicicleta vermelha e depois lhe dissermos para não pensar em elefantes azuis, ou imaginar um elefante azul a voar, o mais provável é que todas essas imagens sejam elaboradas na mente dessa pessoa, mesmo que se tenha dito claramente para não o fazer. Porquê? Porque não há “sim” nem “não” na subconsciência.

Segundo, os pensamentos, conceitos, práticas ou ensinamentos repetidos levam à sua fixação no nosso subconsciente, sendo estes, entre reencarnações, transportados no inconsciente como arquivo de resultados morais e educativos. Neste sentido, há que cultivar o que é saudável ao indivíduo. É o que sucede com o conhecimento e com a melhoria moral que predispõe o indivíduo para a evolução da inteligência racional e sensível. Porém, a repetição de práticas, os hábitos de baixa índole moral, como vícios e tendências, também moldam o ser, deixando inculcado no inconsciente profundas cicatrizes, com reflexos futuros na relação entre o ego e o Self (i.e., na criação da sombra) [3].

Compreender isto ajuda-nos a perceber que não nos é útil viver com pressa e somente centrados no prazer e no imediatismo, ou sob as necessidades impostas pelo ego doente (egoísta e orgulhoso). Também pouco nos ajuda viver a rotineira prática de cultos e rezas, a repetição sem raciocínio sobre o que se diz – é a máxima do «acredito» em vez de ser a do «compreendo». O enraizamento destas realidades ao nível do subconsciente transforma dogmas e criações do ser humano em verdades divinas. Factos que poluem o discernimento e distorcem o verdadeiro sentido da Verdade. Neste sentido, há que raciocinar sobre o propósito dos nossos dias e sobre a obra do Deus que criou o Homem. Afinal, a fricção entre religiões e a própria cisão entre religião e ciência dá-se a partir da crença no Deus criado pelos homens.

Terceiro, criar um rumo novo para os nossos pensamentos a partir de afirmações positivas dirigidas a nós mesmos, por exemplo, instantes antes de se adormecer e imediatamente após o acordar. Nesses instantes há mais espaço para influenciar o subconsciente, pois a consciência ainda não está em pleno funcionamento. Acima de tudo, persistir, a cada dia.

Quarto, sermos vigilantes das nossas emoções. São elas que geralmente determinam o padrão dos nossos pensamentos. Há que evitar os pensamentos associados a emoções negativas ou desajustadas (exemplo, raiva, tristeza, euforia). Se estiver a acontecer há que ganhar consciência sobre isso e tentar mudar-lhes o rumo, não reprimir ou mascarar. Ao mudarmos a intenção do pensamento, mudamos o estado emocional, podendo, no processo, moderar as emoções e as paixões exacerbadas (as más inclinações).

Quinto, e como corolário do que foi dito, o treino da resiliência, que é o ensaio pela disciplina do pensamento. Tal como disse Jesus: “nem só de pão viverá o homem”. Vivamos então com mais amor, consciente, plasmando esse comportamento no nosso subconsciente, e, assim, cuidemos de orar e vigiar.

Tal como referido por Jesus, é importante orar e vigiar o pensamento. A oração pressupõe uma mensagem, um emissor e um recetor. Diferente disto é a reza, que na definição aqui usada é uma repetição sem mensagem individualizada, pelo que não é um diálogo.

A oração pressupõe comunicação, pelo que é um meio de reprogramação do subconsciente. Por ela podemos agradecer o que vamos alcançando, mas também criar foco no que pretendemos alcançar. Podemos realinhar a fidelidade aos nossos propósitos íntimos, ou seja, a fé (que é saber), bem como a relação entre o subconsciente e o consciente, reequilibrando o pensamento com a ajuda da inspiração e da intuição, estas proporcionadas pela ligação espiritual (i.e., concretizada via glândula pineal – que comanda as forças subconscientes sob a determinação direta da vontade).

A oração é o diálogo que nos permite comunicar e assim moldar o subconsciente de forma salutar. Por sua vez, também é importante manter a vigilância sobre os pensamentos produzidos. Notar que estes podem ter origem na sugestão, boa ou má, dos Espíritos. Tudo aquilo que desejamos e o que não queremos, antes de se tornar realidade, é pensamento, pelo que é fundamental termos domínio sobre estes.

Em resumo, é o subconsciente que determina os hábitos e os procedimentos automáticos do dia-a-dia, bem como o funcionamento dos órgãos e as nossas reações para com outras pessoas. Reprogramando-o podemos libertar-nos da ignorância herdada de comportamentos passados e assim nos conduzirmos a novos estados. Ao fazê-lo podemos encarar de frente a nossa sombra, localizada no inconsciente, para que possamos melhorar o que nos atrapalha o caminho, i.e., os nossos defeitos, ou tendências de baixa moral.

Podemos ainda ampliar a atuação do subconsciente buscando informação útil e aprendizagem, também esta localizada no inconsciente. Podemos fazê-lo pondo-nos em harmonia, connosco mesmo e com o Alto, para beneficiarmos da intuição, que ali busca respostas com o apoio da inspiração, da sugestão espiritual. Porém, não é fácil, pois na sociedade em que vivemos, valoriza-se mais o que vemos e mostramos, do que a organização íntima, do pensamento, e respaldo no comportamento ético. Perseveremos na oração e na vigilância aos pensamentos, que são poderosas ferramentas para a lide quotidiana do subconsciente. Não percamos esta vantagem, pois assim podemos sempre ir ganhando ferramentas geradoras de mais bem-estar – a desejada qualidade de vida. Afinal, é o nosso lado “não visível” que pauta o nosso bem-estar e guia a nossa evolução espiritual.

Referências

[1] QUEIROZ, João, Tipologia da consciência: Um estudo comparativo baseado na filosofia de C. S. Peirce. IN Galaxia, Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, nº 1, São Paulo, PUC-SP, 2001. Recuperado de http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/viewFile/1087/712.

[2] Recuperado de https://espirito.org.br/artigos/inconsciente-e-subconsciente/.

[3] FRANCO, Divaldo, pelo Espírito Joanna de Ângelis, Refletindo a Alma: A Psicologia Espírita de Joanna de Ângelis, LEAL, 4ª edição, 2016.

Título: Refletindo a Alma, a Psicologia de Joanna de Ângelis