Testemunhos de doutrinação aos Espíritos

 

Sobre a forma de dialogar com os Espíritos, Allan Kardec afirmava que tanto com Espíritos benevolentes como com Espíritos obsessores é preciso gravidade, pois “É o melhor meio de lhes impor e os manter à distância, obrigando-os ao respeito. Se descerdes até à familiaridade com os que vos são inferiores, do ponto de vista moral e intelectual, não tardareis a dar entrada à sua influência perversa. Ficar de guarda. Variar vossa linguagem conforme a dos Espíritos que se comunicam” 

(Revista Espírita, 1865, p. 153)

A comunicação mediúnica resulta de um entendimento entre a mente do Espírito manifestante e a do médium (pessoa pela qual se faz a comunicação). É a partir da conversão do pensamento alheio (Espírito manifestante) em linguagem articulada (a partir do médium) que se concretiza a comunicação.

Na Casa Espírita, o médium é o veículo da comunicação (consciente ou inconscientemente) que coloca o espírito manifestante em diálogo com o doutrinador. O doutrinador é a pessoa que procura promover o esclarecimento do espírito no sentido de o conduzir a uma compreensão do seu estado. Fá-lo mediante a situação que se apresenta e recorre aos ensinamentos de Jesus sobre a continuidade da vida e a exemplos que explicitam as consequências das leis de afinidade (exemplo, que ligam espíritos por conformidade de gostos, interesses, sentimentos, propósitos, etc.) e de causa e efeito (exemplo, que liga espírito obsessor a quem o prejudicou, com vista à vingança, em que o primeiro ainda não conseguiu compreender o perdão).

Feita a introdução sobre os intervenientes, partilhamos dois diálogos (designados por doutrinação) com espíritos, numa Casa Espírita, em Viseu, durante o primeiro trimestre de 2017. Num desses diálogos, o espírito que se manifestava na sala de trabalho mediúnico exasperava-se de raiva contra a pessoa que ali tinha ido a tratamento (espiritual). Dizia que se queria vingar dessa pessoa (ou seja, do espírito, pois era o que este identificava) por males que esta lhe tinha causado. Considerava que a pessoa (o seu espírito) se encontrava disfarçada. Mas a que disfarce se referia o espírito que se comunicava pelo médio?

O disfarce era o próprio corpo da pessoa. O que o espírito conhecia e identificava era o espírito da pessoa, porém, de quando este viveu a existência em que ambos estiveram em convivência na terra. Agora, numa nova vivência, parecia-lhe disfarçado, pois ao estar num novo corpo novo e desconhecendo a lei da reencarnação, não compreendia a situação de outra forma.

O espírito que se manifestava queixava-se de ter sido chicoteado a mando dessa pessoa que agora ali via, num novo corpo. Lamentava-se do sofrimento que sentia desde então e de ter sido arrancado à vida enquanto era chicoteado. Por essa razão nutria um ódio profundo, pelo que desde então buscava a vingança. O rancor e a fixação de pensamentos contra aquele que lhe tinha feito mal fez deste um espírito obsessor contra a pessoa, que agora estava no centro espírita a solicitar ajuda por não perceber a origem dos seus males e perturbações.

O diálogo entre o espírito obsessor e o doutrinador, trabalhador da casa espírita (quem estabelece o diálogo com o espírito procurando esclarecê-lo sobre a sua situação e consolá-lo) estava a ser extremamente difícil de concretizar. Após diversas abordagens infrutíferas para que o espírito compreendesse a necessidade do perdão, o qual ajudaria a se libertar das próprias dores provocadas pelo nutrir do ódio, foi necessário conduzir o espírito, mentalmente, à visualização do seu próprio passado. O objetivo é criar a evidência da lei de causa e efeito, ou seja, de consequências presentes associadas a ações de vidas pretérita.

Assim, ao se ver nessa vivência anterior à que teve quando foi chicoteado deu-se conta que também ele já tinha sido o algoz, abusando de outros. Nessa visualização do seu passado vê-se a si mesmo em cima de um cavalo, que em corrida, arrastava um indivíduo preso por uma corda. Aquela imagem horrorizou-o, causando-lhe uma amargura profunda. Compreendeu então que também ele já tinha produzido males profundos contra outros.

Enquanto dialogava com o doutrinador e após ter visualizado aquelas imagens deu-se conta que as dores que sentia pareciam aumentar, como que refletindo as dores causadas. O diálogo tornava-se agora ainda mais difícil. Para que o espírito sofrido se serenasse e o diálogo se regularizasse, os Espíritos que acompanham os trabalhos na casa espírita, neste caso, os que prestavam assistência à sala de trabalhos em que a manifestação estava a acontecer, permitem a aproximação de ajuda. O diálogo prossegue e o espírito sofrido revela ao doutrinador a aproximação de um vulto (espírito) vestido de frade, o qual transportava na mão uma jarra de água.

Repare-se que aquilo que o espírito sofrido vê está a decorrer no plano espiritual, pelo que o doutrinador, na sala de trabalhos, não vê essa realidade. O doutrinador pergunta-lhe então se aquele que se aproximava dele era a vítima que ele arrastava no cavalo naquela sua vida pretérita, ao que ele responde que sim. Uma vez mais, ainda que o doutrinador não esteja a ver os factos no plano espiritual é igualmente apoiado por via da intuição a prosseguir o diálogo seguindo a lógica dos acontecimentos decorrentes do diálogo.

Notar ainda que todo o trabalho realizado na Casa Espírita, nomeadamente nas salas de trabalho mediúnico, é assistido pela espiritualidade superior. De facto, é esta que conduz os trabalhos de assistência aos espíritos que ali se manifestam. Por isso, o doutrinador é intuído a estabelecer diálogos (a ter ideias) que servem os propósitos de assistência por parte da espiritualidade.

Entretanto a ação do lado espiritual prossegue. O Espírito diz que o frade lhe está a despejar água nas costas e que isso está a libertá-lo das suas dores.

O espírito comove-se, e nesse pranto de comoção as suas dores cessam finalmente. O ódio que tinha em si contra a pessoa que estava na sala de tratamento e de quem buscava vingar-se também cessa. O espírito percebe nesse instante o sentido do perdão e o significado do ciclo de causa e efeito que lhe tinha sido explicado instantes antes. Tal como foi perdoado e aliviado, pela sua própria vítima, também ele podia e devia perdoar e aliviar aquele que perseguia. Percebeu que o perdão está nas mãos dos injuriados e que a causa da dor sentida era, afinal, relativa à dor que ele tinha infligido a outros. 

A vingança está na ignorância. Esta alimenta o ciclo de dor, pelo que nada resolve, podendo a dor sentida ser a ressonância moral de dores causadas, ou seja, não ser resultado da ação da qual se queixa e contra a qual procura acerto de contas.

A dor está no espírito, não no corpo, o que se torna ainda mais evidente quando esta é manifestada num espírito desencarnado. O alimento da dor está no orgulho, no egoísmo e nas demais causas que levam à falha moral. 

Numa outra doutrinação, de cariz distinto, quem se manifesta no médium é um espírito que desencarnara na condição de sem-abrigo. No início do diálogo o espírito dizia que só queria que o deixassem dormir. Dizia-se sem forças e que precisava de descansar. Pela insistência em querer dormir parecia que o diálogo não ia prosseguir. Todavia, o doutrinador insiste e questiona-o sobre o local onde este se encontrava. Responde dizendo que estava junto a um sem-abrigo, como ele, que ambos se encontravam cobertos por papelões, pelo que sentia frio, além de cansaço.

O doutrinador questiona-o sobre se gostaria de sair dali, e fá-lo ao mesmo tempo que procura esclarecê-lo sobre o facto de na Terra sermos um corpo e uma alma, pelo que quando o corpo finda a sua existência o ser perdura, em espírito, pois a alma não morre, é o corpo que morre.

O espírito concorda, abrindo-se caminho para se manter o diálogo. É-lhe então explicado que a hora da sua morte já tinha chegado, mas que isso não significou o fim, pois afinal estava a dialogar. A morte tinha sido somente para o corpo, mas a sua individualidade, inteligência, raciocínio, memórias, ou seja, o seu ser mantinha-se. Por essa razão ele já não tinha que estar ali, como sem-abrigo. Se desejasse partir seria levado para um outro local, mais digno e reconfortante. Ainda que um pouco confuso, mas ciente que queria sair dali o espírito aceita a ideia. Refere, no entanto, que só conseguiria sair dali com ajuda, e ao colo, pois sentia-se demasiado fraco. É-lhe dito que sim e quando volta a tomar a palavra dá-se conta que já não se encontrava no chão da rua, que o frio que sentia já tinha desaparecido.

De facto, a projeção de ideias que o espírito tinha até então foram alteradas, por ele mesmo, ao se deixar auxiliar, ou seja, pelo manifestar da sua própria vontade, que é o motor do nosso destino. A espiritualidade superior fez o resto.

O espírito ao se aperceber da ligação entre o que lhe estava a ser dito e o que estava a ver e a sentir pergunta ao doutrinador se tinha sido ele quem lhe tinha pegado ao colo. O doutrinador responde-lhe que não, mas que possivelmente tinha sido aquele que estava junto a si. É-lhe perguntado se estava a ver alguém. O espírito responde que sim e desaba num pranto de choro emocionado e agradecido. Testemunha que aquele que lhe tinha pegado ao colo e socorrido era o seu irmão.

A doutrinação termina com a recomendação de paz ao espírito.

Como se verifica, todos os casos são situações de sofrimento, nomeadamente pela ignorância do espírito relativamente aos propósitos de evolução ditados pela lei de causa e efeito e da reencarnação. Não há vítimas há provas, expiações e muitas falhas, quedas morais que atrapalham o percurso da evolução humana. É o tropeço espiritual, individual e coletiva. O convite à ação e à educação sobre a nossa realidade espiritual tem mais de 2000 anos. É um convite de amor sempre renovado e ao qual nunca é tarde para se dizer que sim.

Referências

[1] XAVIER, Francisco Cândido, pelo espírito André Luiz, O Nosso Lar, FEB. Recuperado de http://www.oconsolador.com.br/linkfixo/bibliotecavirtual/chicoxavier/nossolar.pdf.

Título: Nosso Lar