“Reflete, porém, que a existência na Terra é um estágio educativo ou reeducativo, e tão só pelo amor com que amamos, mas não pelo amor com que esperamos ser amados, ser-nos-á possível trabalhar para redimir e, por vezes, saber perder para realmente vencer”
(Na Era do Espírito, Segundo livro da série, p. 23, Francisco Cândido Xavier, J. Herculano Pires, Espíritos diversos) [1]
O auxílio prestado na sala de trabalho mediúnico na Casa Espírita realiza-se por amor ao próximo. Visa-se o consolo espiritual do espírito que se manifesta no médium e da pessoa que vai em busca de auxílio à Casa Espírita.
Os intervenientes no plano físico são o médium psicofónico que serve de instrumento de comunicação aos espíritos (vulgarmente denominado de médium de incorporação), o doutrinador que dialoga com o espírito (denominado por doutrinador), o dirigente da respetiva sala de trabalhos, os colaboradores com a função de esteio espiritual, e, naturalmente, as pessoas que buscam auxílio espiritual. No plano espiritual os intervenientes são os espíritos que ali se manifestam e os espíritos guias, os quais organizam e coordenam as sessões de trabalho fraterno.
O diálogo do doutrinador com o espírito visa, primeiro, escutar para compreender o seu estado e atuar no seu consolo, esclarecimento ou encorajamento à mudança de atitude, quando de um obsessor se trata. Assim, pelo diálogo inicial procura-se identificar as motivações da manifestação, as causas que mantêm o espírito ligado ao plano terreno. Estas ligações podem ter como origem as pessoas que acompanham, os lugares que já lhes pertenceram, situações afins, etc. As motivações para a permanência na esfera de interação com os encarnados são de diversa ordem, tais como afinidade de pensamentos e comportamentos como associação a vícios, proximidade familiar, vontade de vingança, gozo, etc.
O apego a lugares está muito associado ao comportamento materialista, mas também ao resgate a que podem estar sujeitos, por exemplo, quando se sente na situação do acidente que lhes originou a morte (embora o desconheçam), ou quando se veem no mesmo sofrimento numa cama de hospital.
São inúmeros os motivos que levam o plano espiritual a agir em favor destes espíritos equivocados relativamente ao seu estado e à continuidade da vida. Pelo diálogo com o doutrinador a partir do médium, que lhes “empresta” o corpo para que estes sejam trazidos a uma situação de comunicação tal como ainda a concebem, criam-se condições de assistência.
O trabalhador espírita para realizar as suas funções na Casa Espírita, nomeadamente nas salas de trabalho mediúnico, tem de ser preparado através de um longo e aturado processo de aprendizagem e formação. Este inclui a frequência de cursos preparatórios, palestras, seminários, estudo das obras da codificação Espírita de Allan Kardec e outras leituras recomendadas. Por exemplo, sobre o fenómeno da mediunidade e do magnetismo, outras de cariz científico ou filosófico e ainda leituras que ajudem ao aprofundamento dos ensinamentos do Cristo, em particular, o Evangelho Segundo o Espiritismo. O objetivo é a instrução que reforça o conhecimento com músculo moral, que, contudo, só se exercita se a atitude quotidiana acompanhar aqueles esforços.
Exemplos de leituras sempre atuais, entre tantas outras, são as obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier), Divaldo P. Franco, Herculano Pires, Ivonne do Amaral Pereira, etc..
É o amor ao próximo que comanda o trabalho das equipas terrenas de ajuda espiritual. Não pode haver outra motivação que não seja a caridade, pois todos deveremos ser fiéis ao “dai de graça o que de graça recebeste” [2], que neste caso se refere ao desenvolvimento e utilização da faculdade mediúnica (sensibilidade), a partir da compreensão dos ensinamentos de Jesus, e, por consequência, do que se estabelece a este respeito pela doutrina Espírita.
Neste sentido, é fundamental conhecer o Evangelho, manter viva a aprendizagem e fazer tal como dizia Ricardo Reis pela psicografia de Fernando Pessoa (vulgarmente designada por heteronomia): “Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.”
Na sala de trabalho mediúnico manifestam-se todo o tipo de espíritos, o mesmo é dizer que se expressam ali diversas tendências de carácter, sensibilidade e intelectualidade. O espírito é a alma das pessoas que morreram, pelo que são tal como essas pessoas eram na Terra. À condição moral corresponde uma determinada faixa vibratória (campo magnético) onde o espírito se localiza no plano espiritual. E enquanto uns há que já se encontram esclarecidos sobre o seu estado espiritual (desencarnados), outros o ignoram. O ganho dessa consciência dá-se no decurso da doutrinação, ou seja, do diálogo com o doutrinador.
Muitos dos espíritos tiram gozo da perturbação que causam aos terrenos teimando em os acompanhar ou perseguir com intuitos de vingança. Quando motivados pela vingança procuram a justiça pelos seus próprios meios, pois desconhecem que apenas são instrumentos (de Deus) na execução da lei de causa e efeito. Nessa dialética os terrenos que são perturbados por estes espíritos acabam por cumprir as respetivas provas e expiações a que estão sujeitos — visando-se a sua própria transformação moral.
Assim, no contexto do tratamento espiritual, são os espíritos que carecem da maior ajuda. A pessoa, que está na Casa Espírita, já se humildou ao estar ali. Já iniciou o seu processo de busca de respostas, de tentativa de alteração de comportamento. O espírito, por seu turno, mantém-se no mesmo estado de ignorância que o prejudica a nível da sua própria caminhada individual.
Neste sentido, são os espíritos que devem cessar as causas do sofrimento que incutem aos terrenos. O mal que causam são, afinal, sementes para as suas dores futuras. Para alterarem o seu comportamento precisam de assimilar o sentido do perdão e assim abandonar os propósitos de vingança. Afinal, a nutrição da maldade e do rancor são causas do sofrimento sentido, e com origem em confrontos de consciência consigo mesmo. Esclarecê-los e libertá-los da ignorância é a principal missão da doutrinação e consolo aos espíritos.
O diálogo de doutrinação dos espíritos tem várias facetas devendo a retórica ser amorosa e a persuasão uma metodologia eficaz. A argumentação persuasiva visa conduzir o pensamento do espírito à compreensão da verdade que lhe está a ser explicada. No caso de espíritos obsessores pode ser necessário fazer-lhes ver o seu carácter confrontando-os com a visualização de ações por si praticadas em vidas pretéritas. Isto é feito com o auxílio dos espíritos que conduzem os trabalhos da sala. Estes plasmam-lhes imagens na ideia e assim, por recurso a memórias guardadas, veem-se naquelas situações do seu passado.
A se verem no papel do algoz, maltratando outros, por norma, causa confronto consigo mesmo, o que pode ajudar a quebrar os sentimentos de ódio e de vingança que os tem movido até ali. Pode ainda ajudar à compreensão que a lei de Deus de causa e efeito é justa e que só o perdão pode pôr fim ao ciclo de sofrimento e perseguições – alimentadas pela ignorância de sentimentos. E é durante o diálogo de doutrinação que os espíritos guia atuam sobre o espírito obsessor quebrando-lhe a força magnética que o mantinha ligado ao espírito da pessoa que perseguem a partir do plano espiritual.
O trabalho do doutrinador pode igualmente procurar envolver o espírito no sentido do seu provir, no plano espiritual em que se encontra. Além de o encorajar a buscar mais esclarecimento junto dos espíritos que estão junto a si – e que estes iniciam a percecionar e/ou a ver, quando finalmente compreendem e aceitam a sua condição espiritual.
O doutrinador pode ainda sugerir ao espírito a possibilidade de abraçar desafios de ajuda em favor de outros espíritos, encarnados e desencarnados, como por exemplo, pelo processo de inspiração à concretização de obras edificantes, ou de apoio aos desvalidos no plano espiritual.
De facto, muitos dos espíritos com que se dialoga na sala de trabalho podem vir a ser agentes de amor e de ação pelo bem. Se convocados a esse trabalho ganham um sentido para a nova etapa acompanhados pela espiritualidade superior.
Não é só na Terra que a vida sem propósito se torna difícil de suportar. O propósito é o outro, é o bem que pode ser entregue. E ao nos doarmos também trabalhamos em nosso favor, nomeadamente no desenvolvimento de uma das facetas da nossa própria inteligência – a sensível. Diz a canção que quem dá rosas sempre fica com o seu aroma nas mãos, pelo bem praticado.
Referências
[1] XAVIER, Francisco Cândido, PIRES, J. Herculano, Espíritos diversos, Na Era do Espírito, GEEM, 1973. Recuperado de http://luzespirita.org.br/leitura/pdf/L147.pdf.
[2] KARDEC, Allan, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. 26, item 7.