“Todas as nossas ações são submetidas às leis de Deus; não há nenhuma delas, por mais insignificante que nos pareçam, que não possa ser uma violação dessas leis. Se sofremos as consequências dessa violação, não nos devemos queixar senão de nós mesmos, que nos fazemos assim os artífices de nossa felicidade ou de nossa infelicidade futura.”
(Allan Kardec, “O Livro dos Espíritos”, Capítulo II, item 964)
A lei de causa e efeito pode ser compreendida como sendo “a conta do destino criada por nós mesmos, englobando os créditos e os débitos que em particular nos digam respeito. É o sistema de contabilidade do Governo da Vida”, tal como referido pelo espírito André Luiz numa psicografia do médium Francisco Cândido Xavier. Por esta razão, ao reencarnarmos tudo se articula numa matriz de laços terrenos e espirituais entre os quais se joga a lei moral de causa e efeito. Neste âmbito, muitos dos laços criados noutras existências mantêm-se no presente. Uns na realidade terrena, outros na ligação ao plano espiritual. E como a vida não é determinística, não há fatalidades, mas sim consequências, umas boas, outras desastrosas face a ações desgraçadas de uns sobre os outros, ou sobre a natureza e seus seres.
Sabemos que toda a causa gera um efeito. Para aprendermos a mitigar esses efeitos temos de modificar o nosso comportamento íntimo, por exemplo, pela reflexão profunda, pela vigilância do pensamento e das tendências de baixo valor ético-moral, pelo treino do desapego, da paciência e da importância da libertação dos desejos centrados na satisfação, apenas, do ego. Estes, em particular, vivem sob o jugo do orgulho e do egoísmo.
Uma ajuda fundamental a este processo de mudança íntima é a compreensão da mensagem de Jesus, cujos ensinamentos sobre como viver a vida terrena e espiritual nos servem de coordenadas. Neste âmbito, o Espiritismo pode ser encarado como bússola que nos orienta para aquelas coordenadas. Com o cientificar de conceitos, como a mediunidade e o esclarecimento sobre o uso da razão (ao invés do sim porque sim das religiões terrenas) veio trazer consolo por aquilo que explica sobre o propósito e continuidade da vida, no corpo físico e para lá dele, após a morte – do corpo físico. Fá-lo, nomeadamente, sobre a natureza da mediunidade, sobre a comunicabilidade dos espíritos, sobre o sentido da afetividade de uns para com os outros na importância de sermos compassivos, inclusive, para melhorarmos o nosso próprio bem-estar.
Para o conseguirmos fazer temos, também, de encontrar o equilíbrio entre o nosso Self (o “Eu maior”, ou alma) e o nosso ego. O Espiritismo veio assim reforçar a mensagem do Cristo sobre a importância da instrução e da aprendizagem enquanto instrumentos de melhoramento do ser espiritual que somos.
Por tudo isto é correto dizer-se que o futuro está nas nossas mãos, não nas “mãos” de Deus, pois Ele já nos deu a oportunidade de reencarnar e de encontrar pelas Suas Leis a justiça face aos nossos atos, e, perante estes, a forma de vivermos as oportunidades que podem ajudar a nos melhorarmos. Deu-nos as leis da matéria que regem o mundo físico, tal como tratado pela ciência, e as leis morais que regem a existência do Espírito, que regulam a justiça Divina e, por consequência, a evolução do espírito implicando o seu desenvolvimento ético-moral e intelectual.
E é em torno das consequências morais do nosso comportamento que se joga o nosso presente e as razões das nossas aflições ou tendências que aceleram a nossa capacidade de criar e servir para o desenvolvimento intelectual, social e humano. E para isto importa que saibamos ter a humildade necessária para sabermos viver a abundância, seja ela material, intelectual ou criativa. Neste sentido, a educação espiritual centrada nos ensinamentos do Cristo assume máxima relevância, devendo esta ser despojada de misticismos, milagres, ritos ou hierarquias de poder terreno. Isto, a par da vivência individual e enquadrada no contexto cultural ou religioso de cada um. O importante é que cada um se instrua e aprenda a amar, a fazer o bem pelo outro – um amar que vai muito para lá da faceta do amor romântico.
Importa, pois, a indulgência – dar sem se esperar receber, ou ser notado (para satisfação da sua vaidade). Importa ainda saber lidar com o mal, perdoando, e fortalecer a paciência, para sabermos esperar que a aprendizagem fortifique em nós. Não é um trabalho fácil, nem que se vença só porque se leu um livro. É preciso confiar que tudo tem um sentido e ele visa o nosso desenvolvimento íntimo, o ganho de bem-estar, pelo que não vale a pena darmos guarida a sentimentos de culpa, de angústia, ou de desistência.
Assim, quando a dor aperta pelo sofrimento na alma lembremos que há uma causa. E a sua origem pode não estar na vida terrena atual, pois já vivemos antes, já errámos antes. Somos a herança de tendências de nós mesmos, pelo que o natural é que essas tendências ainda estejam salientes em nós, apesar de esforços de melhoria que possamos estar a empreender. Ao nos pormos no papel de observadores de nós mesmos e daquilo que os outros nos fazem e magoa, talvez possamos perceber quais os aspetos a modificar em nós. E aqui conta sermos pacientes e resilientes para o conseguirmos.
Neste sentido, a for é um alerta sobre o que não está bem em nós e que carece de atenção e cura / modificação. E se em vez de dor for abundância, então que mantenhamos igual vigilância sobre nós mesmos, para não nos iludirmos com a capa da vaidade. Dor e abundância são consequências de trabalho feito e servem de instrumentos para nos melhorarmos. A dor e a abundância não surgem na vida, nem por castigo, nem por vantagem.
E é nestes ciclos de aprendizagem e para que eles se possam dar, que voltamos a nascer. Nestes ciclos trabalhamos a nossa evolução moral e intelectual, tal como afirmou Jesus sobre a necessidade de vivenciarmos a mudança: “Digo-te que dali não sairás enquanto não tiveres pago até o último centil!”. Em suma, não sairemos destes ciclos de aprendizagem até que nos modifiquemos (viver os efeitos em consequência das causas)
Bezerra de Meneses referia a propósito desta mesma frase que Jesus se reportava “a resgates dolorosos, a difíceis prestações de contas e as consequências desastrosas de atos irrefletidos… Entretanto, essas mesmas palavras se aplicam também ao recebimento de verdadeiras recompensas pelos atos bons, à prestação de contas com juros, até no campo do bem e com vista a prémios concedidos a trabalhadores dignos.” [2]. Afinal, a dimensão do esforço refletir-se-á, sempre, na dimensão do bem-estar futuro.
Porém, temos de ser atentos para com o propósito dos nossos dias, sobretudo se tomados pelo materialismo negligenciando o ser espiritual que somos e a razão de termos voltado à vida terrena. Atentemos, pois, aos afetos, à caridade, às pessoas. Sejamos vigilantes para com o apego ao mundo das “coisas”, e para com os desejos estimulados pela satisfação imediata do ego.
“O materialismo, dizíamos, estadeando-se, como jamais o fizera em época nenhuma, apresentando-se como regulador supremo dos destinos morais da Humanidade, teve por efeito aterrorizar as massas pelas consequências inevitáveis das suas doutrinas com relação à ordem social. Por isso mesmo, provocou, em favor das ideias espiritualistas, enérgica reação, que lhe há de provar quão longe ele está de possuir simpatias tão gerais quanto supõe e que singularmente se ilude se espera impor um dia suas leis ao mundo.” [3]
É, pois, importante não esquecer que a materialidade que nos rodeia assume um carácter verdadeiramente transitório, e ainda que a reencarnação interligue as dimensões corpórea e espiritual, é a segunda a que justifica a primeira, não o contrário.
“O princípio inteligente independe da matéria. A alma individual preexiste e sobrevive ao corpo. O ponto de partida ou de origem é o mesmo para todas as almas, sem exceção; todas são criadas simples e ignorantes e sujeitas a progresso indefinido. Nada de criaturas privilegiadas e mais favorecidas do que outras. (…) As almas ou Espíritos progridem mais ou menos rapidamente, mediante o uso do livre-arbítrio, pelo trabalho e pela boa vontade.” [idem].
Notemos, não há castigo, nem vantagens de uns em relação a outros, mas sim o cumprimento de leis morais visando-se o aprimoramento do espírito no decurso de diversas reencarnações, tantas quantas o indivíduo precise para que aprenda a viver com o bem e deixe de fazer o mal.
Para isto é preciso sabedoria, pelo que há que a cultivar. O mérito está no esforço depositado neste processo. Ninguém chega lá de uma só vez. Ninguém deve sentir culpa por ainda não estar como gostaria. Deus é clemente, soberanamente justo e bom, cheio de mansidão e misericórdia, pelo que sempre nos aguarda dando-nos novas oportunidades. Porém, Deus também terá expetativas quanto ao arrependimento que assinala a nossa tomada de consciência face ao erro.
Deus dá a cada um segundo as suas obras, tal como ensinado por Jesus. E sendo esta uma lei natural não a podemos evitar. É como a lei da gravidade. Sempre que largamos um objeto da mão ele cai. Todas as causas produzem um efeito, que se manifesta no bem ou na dor, mas sempre com o propósito de despertar, nunca de castigar.
Compreender isto permite aceitar, raciocinando, o porquê daquilo que nos acontece. Permite ainda compreender que há uma causa para todo o efeito e que ninguém vive para ser desgraçado ou avantajado, mas sim para cumprir a parte que lhe permite evoluir e contribuir para o todo a partir da parte com a qual interage.
As Leis de Deus permitem “a cada um segundo suas obras”, ninguém está excluído ou previamente selecionado. Assim, saber confiar e esperar nos desígnios da vida, enquanto trabalhamos, é fundamental, tal como testemunha Vânia Borges Carvalho [4].
E a propósito do perdoar para avançarmos, de destacar alguns trabalhos da ciência, nomeadamente das neurociências, que explicam como o treino da atenção plena que conduz à dita iluminação pode ensinar o exercício do perdão – é a ciência a fazer o seu trabalho explicando os efeitos e os processos no corpo físico e que emanam da realidade (do comportamento moral) do espírito a que se referia Jesus. Sobre isto ver a palestra de Anete Guimarães “Benefícios do Perdão, Visão Espírita e Neurológica” (a partir dos 5’) [5].
Referências
[1] KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos, Publicações Hellil, 2017
[3] KARDEC, Allan, Obras Póstumas. Cap. I, As cinco alternativas da humanidade, FEB, 2005.
[4] Palestra pública de Vânia Borges na ASCEV, 13 julho 2018. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=XXkTU1ENn9A. [5] Palestra pública de Anete Guimarães, “Benefícios do Perdão, Visão Espírita e Neurológica”, via Internet organizada pela ASCEV, 24 janeiro 2021. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=PW11W8DhN2Y. [6] Entrevista com Divaldo Pereira Franco, 23 março 2020. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=RxQnE0a1Vm8.