“(…) tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até ao arcanjo, que também começou por ser átomo; admirável lei de harmonia em que o vosso acanhado espírito ainda não pode apreender o conjunto!” (Allan Kardec, “O Livro dos Espíritos”, questão 540, p. 272) [1]
A física americana Dahn Zohar no seu livro “QS – Inteligência Espiritual” [2] faz referência ao seguinte comentário de um físico sobre o propósito da vida:“Esse foi o momento decisivo. A terra sólida havia surgido. Até esse momento, o Universo se tornara progressivamente mais sólido, inerte e dividido em partes. Dessa matéria mais fria e mais densa, porém, estruturas mais complexas e delicadas podiam ser formadas, as primeiras rochas, água, cristais e compostos químicos. Em seguida, surgiram criaturas vivas e, finalmente, criaturas dotadas de alma. Começara a longa e lenta ascensão da existência para a sua fonte”.O físico citado por Zohar escreve sobre a existência da alma, no entanto, nada refere sobre o que é a alma, ou como ela surge, não precisou, não se comprometeu, mas disse tudo, tornando explicito o que para muitos ainda é dúbio, ou mesmo rejeitado. Mais, por outras palavras confirma o que Kardec refere sobre o encadeamento da vida. Importa, pois, ver pelos olhos da razão, mesmo que até certo ponto nos possa parecer alcançável pelo “coração”, pela intuição – tal como fez o mencionado físico. Mas o que é a alma e o espírito? “Alma: um Espírito encarnado. Nesse caso, a alma deve ser usada para designar a parte do ser humano responsável por sua consciência” (“O Livro dos Espíritos”, questão 134). “Espírito: é o princípio inteligente do Universo. Em princípio, esse termo sintetiza o máximo que podemos saber sobre o que é o Espírito” (idem, questão 23). Depois, na questão 76, é perguntado: “Que definição se pode dar dos Espíritos? Pode dizer-se que os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam o Universo, fora do mundo material.” Assim, tal como referido na questão 607-a, de “O Livro dos Espíritos”, sobre se a alma foi o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, a resposta refere: “Não dissemos que tudo se encadeia na natureza e tende à unidade? É nesses seres, que estais longe de conhecer, que o princípio inteligente se elabora, se individualiza a pouco-e-pouco, e se ensaia para a vida, como o dissemos. É de qualquer modo um trabalho preparatório como o da germinação, na sequência do qual, o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito…”. E depois de criado, qual é a base de partida e a sua evolução? Sobre a natureza dos Espíritos, na questão 115, do “O Livro dos Espíritos”, Kardec pergunta: “Entre os Espíritos, uns terão sido criados bons e outros maus?” A resposta é clara: “Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem ciência.” Esta resposta pode ser complementada com o elaborado por José Lázaro Boberg sobre a evolução: “O Espírito é a individualização do princípio inteligente que, com o despertar da consciência, e já de posse do livre-arbítrio, começa a sua longa caminhada de aprendizagem, pelos caminhos da evolução” (p. 28). [3] Cabe, pois, a cada um, o esforço de laboração intelectual e moral a partir das escolhas feitas. Há uma metáfora lapidar atribuída a Léon Denis que procura explicar a evolução do Princípio Inteligente: “a alma dorme na pedra, sonha no vegetal, agita-se no animal e acorda no homem”. Esta frase ilustra um princípio de evolução que vai mais fundo do que o apresentado por Charles Darwin, na Teoria das Espécies, pois este limita o quadro evolutivo à matéria, às espécies. Alguns pesquisadores pensam que a ideia sintetizada na frase de Denis teve origem num poema do poeta oriental Sufi Rumi (Maulâna Djalal ad-Din Rûmi), nascido no século XIII, que refere: “Nos cristais, o espírito dorme; mais tarde ele sonhará no vegetal, se movimentará no animal, reencontrando-se a si mesmo no homem”. Rumi, jurista, teólogo sufi da Pérsia (séc. XII) é um dos maiores poetas de todos os tempos, comparado a Dante e a Shakespeare, foi um dos grandes filósofos e místicos do Islão. Enquanto sufista acreditava que o espírito humano é uma emanação do divino e que toda a aventura do homem é um só esforço ruidoso desse espírito para se reintegrar em Deus. No livro “Poemas Místicos-Divan de Shams de Tabriz”, de Rumi, em “A Evolução da Forma” [6] pode ler-se: Desde que chegaste ao mundo do ser, Uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses. Primeiro foste mineral; Depois, te tornaste planta, E mais tarde, animal. Como pode ser isto segredo para ti? Finalmente, foste feito homem, Com conhecimento, razão e fé. Contempla teu corpo – um punhado de pó – Vê quão perfeito se tornou! Quando tiveres cumprido tua jornada, Decerto hás-de regressar como anjo; Depois disso, terás terminado de vez com a terra, E tua estação há-de ser o céu. O facto do poema ser do séc. XIII e do trabalho de Kardec sobre o Espiritismo ser de meados do séc. XIX salienta que as referências à evolução do Espírito e à inteligência, pela qual o indivíduo compreende a sua ligação a um todo, a Deus, foram sendo desde sempre inculcadas no inconsciente do ser humano. Todavia, muitos de nós ainda se mantêm, estranhamente, ignorantes sobre tudo isto. Mas a vida (do Espírito) não sucede apenas no corpo físico, na Terra. Ela acontece ao longo de etapas, também, no plano espiritual, tal como refere Kardec no livro “Obras Póstumas”:
“A vida espiritual é a vida normal; a vida corpórea é uma fase temporária da vida do Espírito, que durante ela se reveste de um envoltório material, de que se despe por ocasião da morte. O Espírito progride no estado corporal e no estado espiritual. O estado corpóreo é necessário ao Espírito, até que haja galgado um certo grau de perfeição. Ele aí se desenvolve pelo trabalho a que é submetido pelas suas próprias necessidades e adquire conhecimentos práticos especiais.” [4]E qual é o meio que permite ao Espírito transmitir a sua herança à nova forma de vida? É o perispírito. Assim, além do corpo físico e do Espírito, há o designado perispírito, ou corpo fluídico. Este é o organizador estrutural de tudo o que é adquirido (moralmente e intelectualmente) pelo Espírito em evolução. E, no corpo, é o instrumento pelo qual o Espírito se comunica com o mundo, sendo que a aquisição e desenvolvimento das faculdades humanas se perfazem “no contacto do Espírito com a matéria, cujo produto resultante, de um lado, foi a constituição do perispírito, e, do outro, a absorção pelo primeiro do conhecimento das leis de Deus” (p.14) [5]. Mas a relação entre espírito e perispírito não se dá apenas a propósito da vida na Terra, pois a vida do espírito vai para lá da existência terrena. Para facilitar a explicação da ideia recorremos à analogia do balão e do ar, tal como uma pessoa amiga ensinou. O ar não pode ser tocado, apalpado. Por isso não é possível manipulá-lo com as nossas mãos ou dar-lhe forma. Mas se o colocarmos dentro de um balão já é possível senti-lo e criar formas com ele. Analogamente, também o espírito usa um corpo perispiritual, através do fluido universal, pelo qual tem um meio de locomoção, de adaptação e de assim criar uma forma. Assim, tendo em conta o sítio onde se encontre (na Terra ou para lá dela), assim usa o meio para concretizar uma forma e imprimir a sua ação. Se assim não fosse seria ar. A ligação é ele próprio, o espírito, que a faz, pela sua vontade, pelo seu pensamento, consciente ou não. Neste sentido, na Terra, o perispírito é o meio pelo qual se dá a injunção da vivência do espírito no corpo transportando informação das vivências anteriores, logo as heranças da lei de causa e efeito – transporta a informação moral, mas também genética, esta herdada de si mesmo e não dos pais. Aquela informação transmite-se ao corpo celular pela ligação do perispírito ao corpo, célula a célula. Um exemplo disto mesmo é o caso da criança que nasce com bronquite, ou do indivíduo que a contrai sem que tivesse qualquer razão para tal. Como compreender isto de forma lógica e crendo num Deus bom? Como fazê-lo à luz da ideia de uma vida única? Não é possível. Sem atendermos ao facto de já termos vivido não compreenderíamos o sentido de herança, não veríamos justiça, nem equilíbrio na criação. Não encontraríamos razão para nos motivarmos ao contínuo de aprendizagem e melhoria íntima até ao último sopro no corpo. Pois a vida e as responsabilidades continuam. É a manifestação da lei de causa e efeito espelhada nas relações de hereditariedade – de nós para nós. Somos seres espirituais habitando transitoriamente um corpo físico a cada reencarnação. Na Terra cumprimos etapas, mas não é somente na Terra que se perfaz a evolução espiritual, tal como referido por Jesus:
“Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa do meu pai; se assim não fosse, já vo-lo teria dito, pois vou para vos preparar o lugar; e depois que me tiver ido e que vos tiver preparado o lugar, voltarei e vos retirarei para mim, a fim de que onde eu estiver, vós estejais também.” (João, XIV:1-3) [7].Isto significa que: “A Casa do Pai é o Universo. As diferentes moradas são os mundos que circulam no espaço infinito, oferecendo aos Espíritos desencarnados estações apropriadas ao seu adiantamento.” [8] Em suma, tudo procede visando-se a evolução do espírito:
“Sendo insuficiente uma só existência corporal para que adquira todas as perfeições, retoma um corpo tantas vezes quantas lhe forem necessárias e de cada vez encarna com o progresso que haja realizado em suas existências precedentes e na vida espiritual. Quando, num mundo, alcança tudo o que aí pode obter, deixa-o para ir a outros mundos, intelectual e moralmente mais adiantados, cada vez menos materiais, e assim por diante, até à perfeição de que é suscetível à criatura.” [4]A diversidade de origens e destinos dos espíritos traz à humanidade diferentes categorias de espíritos, ou seja, de estados de evolução moral e intelectual. Isto mesmo se constata pelos inúmeros exemplos de percepção espiritual de artistas, humanistas, cientistas, religiosos, mas também de pessoas comuns. O trabalho científico erguido no recato e apoiado na inspiração e dedicação aos outros Os mais de 26 mil poemas espirituais de Rumi são um bom testemunho disso mesmo
Referências
[1] KARDEC, Allan, O Livro dos Espíritos. 1.ª Edição, Edições Hellil, 2017.Título: O Livro dos Espíritos
Título: Filhos de Deus - O amor incondicional
Título: Obras póstumas
Título: O Evangelho Segundo o Espiritismo